segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Diário de Etty

Segunda-feira, 4 de Agosto 1941, às duas e meia da tarde

"Ele diz que o amor a todos é mais belo que o amor a uma só pessoa. Porque o amor a uma só pessoa é, na realidade, somente amor a si mesmo.
Ele é um homem maduro de 55 anos e encontra-se no estádio do amor a todos, depois de inicialmente ter amado uma vida inteira muitos alguns. Eu sou uma mulherzinha de 27 anos e também carrego intensamente comigo o amor a toda a humanidade, mas ainda assim pergunto-me se não irei andar sempre à procura de um determinado homem. E pergunto-me até que ponto isso será uma restrição, um limite à mulher. Até onde isso é uma tradição secular, da qual ela se deveria libertar, ou talvez esteja tão arreigada ao ser da mulher que ela própria se violentaria se desse o seu amor a toda a humanidade em vez de o dar a um só homem. (Ainda não estou pronta para a síntese.) Talvez seja por esse motivo que há tão poucas mulheres nas ciências e nas artes, porque a mulher está sempre à procura do tal homem ao qual pode transmitir todo o seu conhecimento e calor e amor e poder criador. Ela procura o homem e não a humanidade.
Não é lá muito simples, essa questão feminina. Às vezes, quando vou na rua e vejo uma mulher bonita, cuidada, completamente feminina, um pouco pateta, fico vacilante. Então sinto o meu cérebro, as minhas lutas, meu sofrimento, como coisas que me oprimem, algo de feio, pouco feminino, e nesses momentos queria somente ser bonita e tola, um brinquedo desejado por um homem. Coisa curiosa, querer ser-se sempre desejada por um homem, ser isso para nós o mais alto padrão de afirmação de que somos mulheres, embora isso seja, vendo bem, muito primitivo. Sentimentos de amizade, respeito pela nossa personalidade, amor por nós enquanto seres, tudo isso é muito bonito, mas em última instância não queremos que o homem nos deseje como mulher?
Talvez a genuína, interior emancipação feminina ainda tenha de começar. Ainda não somos verdadeiramente indivíduos, somos fêmeas. Continuamos atadas e agrilhoadas por tradições seculares, ainda precisamos de nascer como indivíduos, eis aqui uma tarefa importante para a mulher."

Diário 1941 -1943 , Etty Hillesum

As Leituras em dia
LN

1 comentário:

MariaPapoila disse...

Será que o instante influencia a escrita?