sábado, 9 de outubro de 2010

Ultimatum 2, Álvaro de Campos

ATENÇÃO!
Proclamo, em primeiro lugar,

A Lei de Malthus da Sensibilidade

Os estímulos da sensibilidade aumentam em progressão geométrica;

a própria sensibilidade apenas em progressão aritmética.

Compreende-se a importância desta lei. A sensibilidade — tomada aqui no mais amplo dos seus sentidos possíveis — é a fonte de toda a criação civilizada. Mas essa criação só pode dar-se completamente quando essa sensibilidade esteja adaptada ao meio em que funciona; na proporção da adaptação da sensibilidade ao meio está a grandeza e a força da obra resultante.
Ora a sensibilidade, embora varie um pouco pela influência insistente do meio actual, é, nas suas linhas gerais, constante, e determinada no mesmo indivíduo desde a sua nascença, função do temperamento que a hereditariedade lhe infixou. A sensibilidade, portanto, progride por gerações.
As criações da civilização, que constituem o «meio» da sensibilidade, são a cultura, o progresso científico, a alteração nas condições políticas (dando à expressão um sentido completo); ora estes ó e sobretudo o progresso cultural e científico, uma vez começado — progridem não por obra de gerações, mas pela interacção e sobreposição da obra de indivíduos, e, embora lentamente a princípio, breve progridem ao ponto de tomarem proporções em que, de geração a geração, centenas de alterações se dão nestes novos estímulos da sensibilidade, ao passo que a sensibilidade deu; ao mesmo tempo, só um avanço, que é o de uma geração, porque o pai não transmite ao filho senão uma pequena parte das qualidades adquiridas.
Temos, pois, que a uma certa altura da civilização há de haver uma desadaptação da sensibilidade ao meio, que consiste dos seus estímulos — uma falência portanto. Dá-se isso na nossa época, cuja incapacidade de criar grandes valores deriva dessa desadaptação.
A desadaptação não foi grande no primeiro período da nossa civilização, da Renascença ao século XVIII, em que os estímulos da sensibilidade eram sobretudo de ordem cultural, porque esses estímulos, por sua própria natureza, eram de progresso lento, e atingiam a princípio apenas as camadas superiores da sociedade.
Acentuou-se a desadaptação no segundo período, que parte da Revolução para o século XIX, e em que os estímulos são já sobretudo políticos, onde a progressão é facilmente maior e o alcance do estímulo muito mais vasto. Cresceu a desadaptação vertiginosamente no período desde meados do século XIX à nossa época, em que o estímulo, sendo as criações da ciência, produz já uma rapidez de desenvolvimento que deixa atrás os progressos da sensibilidade, e, nas aplicações práticas da ciência, atinge toda a sociedade. Assim se chega à enorme desproporção entre o termo presente da progressão geométrica dos estímulos da sensibilidade e o termo correspondente da progressão aritmética da própria sensibilidade.
Daí a desadaptação, a incapacidade criativa da nossa época. Temos, portanto, um dilema: ou morte da civilização, ou adaptação artificial, visto que a natural, a instinctiva faliu.
Para que a civilização não morra, proclamo, portanto em segundo lugar,

A Necessidade da Adaptação Artificial

Excerto "Portugal Futurista" Álvaro de Campos, nº 1. Lisboa: 1917.
no site http://arquivopessoa.net/textos/456

(Continua)
LN

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