sábado, 28 de novembro de 2009

Mentir e faltar à verdade

Mentir e faltar à verdade , Fernando Madrinha, Expresso, 21 Novembro 2008

" A palavra do ministro das Finanças é metade da credibilidade de um Governo. E se falha uma vez nunca mais se recupera. Para deixar a sua palavra em xeque, o ministro das Finanças não precisa de mentir. Basta que dê respostas viciadas como as que os ministros 'políticos' dão no Parlamento, ou em conversas com jornalistas.

Teixeira dos Santos ganhou a confiança do país, não só pelos resultados obtidos no combate ao défice, mas por parecer um ministro diferente.

Sempre falou claro e, aparentemente, com a intenção de esclarecer, sem truques nem malabarismos para iludir o povo ignaro que não domina o 'economês'. Sempre se apresentou com a atitude simples de um técnico seguro, antivedeta e anti-herói por natureza, cujos principais méritos políticos eram a humildade e o bom senso, valores que os políticos politiqueiros desprezam. O país olhava-o como uma pessoa de confiança e bem intencionada. Foi por isso que, apesar do desastroso balanço do seu mandato, culpou a crise e desculpou o ministro, encarando com naturalidade e agrado a sua permanência no segundo Governo de José Sócrates.

Teixeira dos Santos pode dizer que nunca mentiu a propósito do orçamento rectificativo. O que afirmou repetidas vezes foi apenas que a despesa estava controlada, pelo que não via necessidade de um orçamento suplementar - mesmo quando muitos economistas já falavam de um défice de oito por cento ou mais. Só que esta sua resposta, não sendo uma mentira declarada, era, como agora se percebeu, um manto diáfano para esconder a verdade. E é assim que, de um dia para o outro e pela boca do mesmo ministro das Finanças, o orçamento rectificativo passa de perfeitamente desnecessário a absolutamente indispensável.

O que fez Teixeira dos Santos, ou o que se prestou a fazer, foi omitir e adiar as más notícias sobre a situação real das finanças públicas com deliberada intenção e propósito eleitoralista. Não mentiu, mas também não disse a verdade. E, só por isso, o Governo, com menos de um mês de exercício, acaba de perder o ministro das Finanças, isto é, metade da sua credibilidade.
"

"Quarenta anos bastam
O Governo e os economistas dizem que teremos mais um ano de desemprego galopante, se tudo correr pelo melhor. E correrá? Ninguém o pode garantir. A prometida reforma do capitalismo foi mero desabafo num momento de aflição e o sistema continua a funcionar praticamente nos moldes em que funcionava antes, com o capital financeiro livre para os mesmos vícios e desmandos que quase levaram o mundo à ruína.

Acresce, no caso português, um Estado pedinte e apertado pelo défice, além de empresas que foram muito rápidas no despedimento ao primeiro sinal de crise, mas que só voltarão a contratar quando a retoma estiver segura. Assim, dezenas de milhares de jovens à procura do primeiro emprego continuarão sem o encontrar em 2010. Isto enquanto trabalhadores mais velhos ainda activos sentem o posto de trabalho como uma canga, após 40 ou mais anos de labuta, e de bom grado dariam lugar aos jovens.

O aumento da esperança média de vida, conjugado com a diminuição da natalidade e a consequente redução das contribuições para a Segurança Social, força os Estados a retardarem cada vez mais a idade da reforma. Parece não haver alternativa. Mas quem trabalha desde os 15/16 anos e desconta para a reforma há mais de 40 não devia ser obrigado a esperar pelos 65 para ter direito à pensão por inteiro. Enfrenta uma situação de injustiça relativa perante os restantes cidadãos, visto que precisa de trabalhar mais anos para obter o mesmo direito. E ocupa, em muitos casos com duvidosa produtividade, postos de trabalho que estariam mais bem entregues a jovens que por eles anseiam.

Este tema do direito à reforma por inteiro após 40 anos de descontos anda na agenda política desde que o Bloco de Esquerda o introduziu, na anterior legislatura. O PCP retoma-o agora com outra iniciativa legislativa. Representa com certeza algum custo para o Estado, mas deve merecer uma atenção especial do Governo e dos partidos. Já porque abre espaço ao emprego para jovens e outros desempregados, já porque não é justo roubar-se o direito à velhice a quem, há muitos anos, a pobreza roubou o direito à juventude. "

"Corrupção e Justiça
Desde 1998, ano em que a Transparency International elaborou o seu primeiro índice sobre "percepções de corrupção", Portugal tem ocupado uma posição relativamente estável - entre 6.3 e 6.6 numa escala de zero a dez, sendo dez o melhor resultado possível. Só nos últimos dois anos caiu de forma significativa, ficando este ano abaixo dos seis pontos (5.8).

Para termos algumas referências, a Nova Zelândia está no topo com 9.4 e a Somália no fundo com 1.1, a Grécia fica-se pelos 3.8, a Itália pelos 4.3 e a Espanha está nos 6.1 - um pouco melhor do que Portugal, embora tenha caído mais do ano passado para este ano. Só que ali houve inúmeros condenados a penas de prisão e outras, decorrendo neste momento 730 investigações a políticos e agentes públicos por corrupção.

Quer dizer, a Espanha desce no índice, mas a própria Justiça espanhola confirma, pelos seus actos, a percepção dos analistas. Num país onde os processos são poucos e as condenações nenhumas, como é o caso de Portugal, o índice da Transparency é também um atestado de incompetência para a justiça portuguesa"


LN

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