domingo, 25 de março de 2012

Manifesto Branco (2)

Manifesto Branco

(continuação)

Talvez te pareça que já não podes ver com pureza, talvez te pareça que perdeste essa capacidade entre as coisas reais, como quem perde uma chave na rua, como quem perde a carteira. A diferença entre um sentido e uma chave ou uma carteira, por exemplo, é que um sentido pode materializar-se na palma da mão , não é feito de ferro.
Se precisares de renascer, renasce. É permitido renascer. Na verdade , nada é proibido.
Nada é proibido.
Pureza, repito a palavra apenas pelo prazer de articulá-la. Experimenta. Se te sentires ridículo ao fazê-lo, sabe que essa é uma armadilha que deixaste que te colocassem. Ignora-a. Diz: Pu-re-za. Ao fazê-lo, é como se cantasses no duche ou no trânsito. Sorri.
O que é um deus? Por favor, não me faças perguntas dessas. Faz perguntas para dentro de ti. Só as tuas respostas são válidas. O sol ilumina tudo. Senta-te ao sol e sente-o. Assim, com aliterações e tudo o que mereces. Tu és tão natural como uma árvore. As preocupações que te dobram a pele do rosto e que te apoquentam os músculos das costas, os pesadelos com que acordas de manhã podem dissolver-se no lago imaginário que fores capaz de criar diante de ti. Repara, é sempre fim de tarde nesse lago, tem sempre paz e descanso. Está tudo feito. Lá longe, os filhos reencontram os pais e contam-lhes as histórias de mais um dia que terminou.

Tão bom. A claridade a passar-te entre os dedos como fios de areia. Bebe água nessa fonte, enche-te. É uma fonte infinita e tu tens a composição desse mesmo infinito. Podes beber infinitamente.
Pureza, repito agora para que se instale e se respire. Retira a maldade até das coisas más. Se te sentires ingénuo ao faze-lo, sabe que, uma vez mais, essa é uma armadilha que deixaste que te colocassem. Se não conseguires evitá-la, ignorá-la, aceita a ingenuidade. A ingenuidade faz o sangue circular com mais fluidez do que o cinismo. A ingenuidade desconhece o colesterol. O cinismo é hipertenso.
Se apreciaste as referências iniciais à poesia portuguesa, aceita que a felicidade da ceifeira de Pessoa não é uma contradição do pensamento. Essa felicidade chega depois dele porque o pensamento inteligente dirige-se à felicidade. É possivel que não sejamos um nome, nem um corpo, nem uma alma. Tudo é possível, nada é impossível. Não deixes que te armadilhem de cálculos e labirintos. São demasiado fáceis de construir. Quando mal entendidos, são máquinas de guerra. E, no entanto, não há palavras más. Perante a pureza, deus, só há palavras boas. Avança no incandescente , na música sem muros.
Não existe horizonte nessa paisagem. Pureza, repete.
Tu tens direito à felicidade.
AGORA , VAI. Tens a Vida à espera de abraçar-te.

José Luis Peixoto
"Abraço"

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