Nenhum País atravessa uma situação como aquela que vivemos sem o mínimo de equidade e de sentimento de pertença
1.
O Problema não é tanto o primeiro-ministro querer fazer de nós tolos, quando afiança que o seu Governo e os partidos que o sustentam não tiveram absolutamente nada a ver com as nomeações para o conselho de supervisão da EDP. Ou quando resolve enveredar por longas explicações sobre a necessidade de envolver as autarquias na gestão das Águas de Portugal, para justificar mais duas nomeações lamentáveis a olho nu. Sobre isso não há nada a dizer a não ser . talvez . lembrar ao primeiro-ministro que a maioria das pessoas não é tola e que muito pouca gente acreditará na estranha coincidência de os accionistas privados da EDP terem descoberto em simultâneo a excelência dos amigos políticos dos partidos do Governo. É triste, quase patético, ver Eduardo Catroga , certamente uma pessoa competente e com uma carreira nos negócios, zurzir furiosamente no engenheiro Sócrates para chegar à clarividência da sua escolha para presidir ao dito conselho ou sentir a necessidade de dizer que nem sequer é do PSD. Pior , mesmo, só o minstro de Estado Paulo Portas admitir uma atitude "xenófoba" de Lisboa contra as boas gentes do Norte para justificar as críticas à escolha de um filiado do seu partido , Álvaro Castelo-Branco, para a dita empresa pública. Não lhe terá ocorrido uma palavra mais adequada? Preconceito, por exemplo? A sua falta de argumentos ficaria menos evidente.
O Problema - o primeiro - é que estas nomeações são uma enorme machadada na estratégia política que o Governo e o primeiro-ministro nos apresentaram para sairmos da tremenda crise que nos encontramos. Essa estratégia partia da ideia de aproveitar a crise para libertar o Estado da sua dupla função de "controleiro" da economia e de distribuidor de benesses. Por via das privatizações, por via da maior concorrência nos mercados de produtos e serviços, por via da maior flexibilidade dos factores de produção. A isto o primeiro-ministro chamou, ainda há poucos dias, a "democratização" da economia e foi louvado por muita gente. O seu liberalismo económico não resistiu muito tempo. O Estado intervém - na melhor das hipóteses para controlar uma empresa privada; na pior para compensar os amigos e os fiéis dos partidos eleitos para governar o país. Bastaram seis meses para matar as ilusões. No fundo, o que todos nós aperendemos na semana passada foi o seguinte: que o Estado continua a dominar a economia por via das decisões que toma ou não toma, das "facilidades" que cria ou não cria, dos sectores que protege ou não protege, e que qualquer grande empresa (ainda por cima estatal e chinesa) percebe imediatamente que convém agradar ao Estado para obter facilidades nos negócios, nomeando os seus rapazes.
O Problema - o segundo - é o momento em que Passos Coelho resolveu matar as ilusões. Justamente aquele em que lhe era proibido fazê-lo. Se já havia um largo e provavelmente inevitável sentimento de injustiça quanto à distribuição dos sacrifícios e uma fraca crença numa saída para a dose brutal de austeridade que não seja "a grega" , agora haverá muito mais. Ora , a mistura de descrença e sentimento de injustiça pode vir a revelar-se fatal no médio prazo. Nenhum país passa por aquilo que estamos a passar sem um forte sentimento de coesão social. Passos Coelho e o seu Governo desferiram-lhe um golpe severo. Numa semana que foi trágica no que respeita à percepção de como as coisas se fazem em Portugal, de quem está sempre a salvo das crises ou de quem acaba sempre por pagar o grosso da factura.
Teresa de Sousa
Público , 15 Janeiro 2012
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