Afinal, não era preciso chamá-lo. Ja cá estava.
Eles dizem que Deus vê tudo o que fazemos. Vê o obsceno, vê o repugnante, vê o miserável. Deus vê o invisivel. Se existir céu e inferno, fico contente por ti , mas, por mim, sinto um certo receio. Repara , eles não dizem que Deus vê algumas das coisas que fazemos, não dizem que Deus vê apenas aquilo que é mais interessante ou susceptivel de ser considerado na equação céu/inferno. Não, eles dizem que Deus vê tudo o que fazemos: tudo. Quando dormimos , Deus olha pacientemente para nós. Já olhei para ti enquanto dormias. Compreendo que Deus não se canse de fazê-lo. Também quando esperamos , Deus assiste à nossa espera. Também quando lavamos o carro numa estação de serviço.
Também quando passeamos no jardim ao domingo.
Ainda assim , quero pedir-te que não imagines Deus como um velho reformado, sem vida própria , submerso em memórias, sósinho, sentado num cadeirão gasto, a ver televisão numa sala com os estores corridos. Nada é assiim tão simples. Nem mesmo esse velho reformado é assim tão simples. Deus não vê apenas, Deus sabe. Ao contrário de mim, Deus não se detém perante o teu rosto, tentando perceber se queres ou não queres, se gostaste ou não gostaste, tentando perceber o que significa aquilo que dizes e aquilo que insistes em calar. Deus sabe a distância precisa entre a ponta do teu nariz e o z desta palavra: nariz. Sabendo tudo , Deus sabe muita informação desnecessária. Sabe tudo o que sabemos e tudo o que não sabemos. Quando estamos errados, Deus sabe detectar o erro, sabe corrigi-lo e sabe todas as possibilidades de resolução do problema, sem erro, com erro e com todos os erros possíveis.
Deus é muito mais exacto do que a matemática.
Melhor do que nós, Deus consegue entender a razão de cada gesto porque conhece todos os pormenores da sua história e relaciona-os através da verdade. Deus consegue ver o passado com a mesma nitidez absoluta com que olha o presente. Nas grandes multidões, nos apertos antes da entrada nos estádios, nos concertos, eles dizem que Deus está lá a seguir cada pessoa e, para a atenção de Deus, cada um desses indivíduos é um mundo inteiro e completo. Eles dizem que Deus só pensa em nós. Passa todo o tempo a ver-nos ppor dentro e por fora. Testemunha cada episódio da luta que travamos com os nossos instintos, com os nossos impulsos e com os impulsos que surgem no nosso caminho. O nosso caminho não é uma estrada. Não sabemos o que é. Às vezes , parece que Deus nos colocou aqui como ratinhos num labirinto e, enquanto tira notas, espera que encontremos a saída. Nascemos um dia.
Chegámos de onde não sabíamos nada.
E, consuante o que encontrámos, fomos aprendendo. Eles dizem que Deus assistiu a todos esses momentos. A sua mente não divagou, não se desinteressou. Eles dizem que Deus nos vê desde o início, desde quando não sabiamos nenhuma palavra. Eles dizem que Deus nos viu nascer. Eu também te vi nascer. Essa é uma das experiências que partilhei com Deus. Sabes, apesar de estarem quase a passar doze anos sobre esse momento, também eu o consigo ver ainda com nitidez absoluta. Acredito que nunca se apagará de mim. Ao contrário de Deus, eu sempre andei longe, o meu olhar foi espaçado, mas acredita, filho, nunca te esqueci, nunca deixaste de ser parte de mim. Não foi por querer que não pousei o cobertor sobre o teu peito antes de dormires, não foi por querer que nã brinquei contigo assim que acordaste. Demorará até que entendas, mas esperarei o tempo que for necessário.
Se Deus é pai como eles dizem, então deixa-me contar-te um pouco do amor que Deus tem por ti:
Deus acredita que o amor que sente por ti é maior do que ele próprio, Deus acredita que os lugares onde está não são todos porque tem a certeza de que o amor que sente por ti é maior do que todos esses lugares, Deus acredita que não sabe tudo porque o amor que sente por ti é maior que tudo.
Sendo teu pai, Deus também é teu filho, filho.
José Luis Peixoto
do livro "Abraço"
Eles dizem que Deus vê tudo o que fazemos. Vê o obsceno, vê o repugnante, vê o miserável. Deus vê o invisivel. Se existir céu e inferno, fico contente por ti , mas, por mim, sinto um certo receio. Repara , eles não dizem que Deus vê algumas das coisas que fazemos, não dizem que Deus vê apenas aquilo que é mais interessante ou susceptivel de ser considerado na equação céu/inferno. Não, eles dizem que Deus vê tudo o que fazemos: tudo. Quando dormimos , Deus olha pacientemente para nós. Já olhei para ti enquanto dormias. Compreendo que Deus não se canse de fazê-lo. Também quando esperamos , Deus assiste à nossa espera. Também quando lavamos o carro numa estação de serviço.
Também quando passeamos no jardim ao domingo.
Ainda assim , quero pedir-te que não imagines Deus como um velho reformado, sem vida própria , submerso em memórias, sósinho, sentado num cadeirão gasto, a ver televisão numa sala com os estores corridos. Nada é assiim tão simples. Nem mesmo esse velho reformado é assim tão simples. Deus não vê apenas, Deus sabe. Ao contrário de mim, Deus não se detém perante o teu rosto, tentando perceber se queres ou não queres, se gostaste ou não gostaste, tentando perceber o que significa aquilo que dizes e aquilo que insistes em calar. Deus sabe a distância precisa entre a ponta do teu nariz e o z desta palavra: nariz. Sabendo tudo , Deus sabe muita informação desnecessária. Sabe tudo o que sabemos e tudo o que não sabemos. Quando estamos errados, Deus sabe detectar o erro, sabe corrigi-lo e sabe todas as possibilidades de resolução do problema, sem erro, com erro e com todos os erros possíveis.
Deus é muito mais exacto do que a matemática.
Melhor do que nós, Deus consegue entender a razão de cada gesto porque conhece todos os pormenores da sua história e relaciona-os através da verdade. Deus consegue ver o passado com a mesma nitidez absoluta com que olha o presente. Nas grandes multidões, nos apertos antes da entrada nos estádios, nos concertos, eles dizem que Deus está lá a seguir cada pessoa e, para a atenção de Deus, cada um desses indivíduos é um mundo inteiro e completo. Eles dizem que Deus só pensa em nós. Passa todo o tempo a ver-nos ppor dentro e por fora. Testemunha cada episódio da luta que travamos com os nossos instintos, com os nossos impulsos e com os impulsos que surgem no nosso caminho. O nosso caminho não é uma estrada. Não sabemos o que é. Às vezes , parece que Deus nos colocou aqui como ratinhos num labirinto e, enquanto tira notas, espera que encontremos a saída. Nascemos um dia.
Chegámos de onde não sabíamos nada.
E, consuante o que encontrámos, fomos aprendendo. Eles dizem que Deus assistiu a todos esses momentos. A sua mente não divagou, não se desinteressou. Eles dizem que Deus nos vê desde o início, desde quando não sabiamos nenhuma palavra. Eles dizem que Deus nos viu nascer. Eu também te vi nascer. Essa é uma das experiências que partilhei com Deus. Sabes, apesar de estarem quase a passar doze anos sobre esse momento, também eu o consigo ver ainda com nitidez absoluta. Acredito que nunca se apagará de mim. Ao contrário de Deus, eu sempre andei longe, o meu olhar foi espaçado, mas acredita, filho, nunca te esqueci, nunca deixaste de ser parte de mim. Não foi por querer que não pousei o cobertor sobre o teu peito antes de dormires, não foi por querer que nã brinquei contigo assim que acordaste. Demorará até que entendas, mas esperarei o tempo que for necessário.
Se Deus é pai como eles dizem, então deixa-me contar-te um pouco do amor que Deus tem por ti:
Deus acredita que o amor que sente por ti é maior do que ele próprio, Deus acredita que os lugares onde está não são todos porque tem a certeza de que o amor que sente por ti é maior do que todos esses lugares, Deus acredita que não sabe tudo porque o amor que sente por ti é maior que tudo.
Sendo teu pai, Deus também é teu filho, filho.
José Luis Peixoto
do livro "Abraço"
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