sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A semana em que o país se viu ao espelho e não gostou (2)

(Continuação)

2.
Enquanto os casos EDP e Águas de Portugal aconteciam, o secretário de Estado da Segurança Social , Marco António Costa, prometia mão pesada sobre todos os que haviam recebido subsídios indevidos do Estado , obrigando-os a repô-los imediatamente. É óbvio - e já foi feito por anteriores governos até com bastante sucesso - que é preciso combater todos os abusos. Mas basta reunir meia dúzia de pequenas histórias publicados pelos jornais sobre os "abusadores" para verificar aquilo que já se suspeitava: primeiro que, na sua maioria, os subsídios indevidamente recebidos são de tão pequena monta que só fazem mesmo diferença para gente que vive grandes dificuldades; segundo, que muitas vezes se deveram mais à crónica ineficiência dos serviços públicos do que a uma deliberada vontade de enganar. A devolução atingirá os mais fracos - independentemente das razões para os abusos. Entre o salário milionário de Eduardo Catroga ou de Celeste Cardona e os 97 euros recebidos indevidamente por uma família com rendimentos de 1000 euros, há algo de verdadeiramente chocante. Marco António pode até ter a melhor das intenções. Escolheu o pior momento possível.

Somos o país mais desigual da União Europeia (por razões que se prendem também com a herança do regime anterior). Somos aquele em que , seguindo um estudo da Comissão , os sacrificios impostos pela austeridade atingem mais os mais pobres e menos os mais ricos. Vemos o desemprego a subir e tememos pelo nosso posto de trabalho - sejamos ou não competentes naquilo que fazemos. A competitividade da economia está a ser ganha à custa das transferências de rendimentos das pessoas para as empresas. O mínimo que se exigia era alguma decência e, sobretudo, alguma coerência de quem nos governa.

Mas infelizmente o triste retrato do país a que tivemos direito nestes últimos dias ainda não acab aqui. O caso da Loja Mozart foi uma espécie de pequena história exemplar sobre como se tecem redes de influência para garantir carreiras seguras. As regalias dos funcionários do Banco de Portugal contam-nos outra história, com a qual já estamos todos mais ou menos famialiarizados, segundo a qual há imensa gente excepcional e insubstituivel para o bom andamento da nação que, obviamente, terá de ficar de fora dos sacrifícios exigidos aos pobres e vulgares mortais. Não sei quantos funcionários tem o banco. Mas tenho a certeza de que não são todos alvo de cobiça de instituições privadas, à espreita de uma oportunidade para lá ir buscá-los com salários muito mais gordos. Nem ninguém pode acreditar que o banco central apenas tem condições para exercer as suas funções com a devida independência, se os seus funcionários ficarem imunes aos cortes aplicados aos outros.
O Problema é que se desenvolveu em Portugal uma ideia absolutamente degradada do que é servir o país. Servir o país passou a só fazer sentido, se isso equivaler a uma compensação - um cargo, uma posição, um salário , uma pequena, média ou grande vantagem. Ora, a ideia de serviço público, seja ela no Parlamento, nos partidos, no Banco de Portugal ou na mais modesta das comunidades, implica precisamente o contrário: prestar um serviço à comunidade sem qualquer compensação ou com sacrifício de uma situação pessoal mais confortável.
É esta ideia que é preciso regenerar.

Nenhum país atravessa uma situação como aquela que estamos a viver sem o mínimo de equidade e sem um mínimo de sentimento de pertença. Perceber os partidos como agentes de distribuição de vantagens pelas clientelas, as maçonarias como redes de influência, os que estão melhor (por mérito próprio ou alheio) apenas interessados em preservar as suas vantagens é meio caminho andado para o desastre.

O outro meio é a Europa. E sobre ela as notícias também não são animadoras.

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Lá vamos nós outra vez

Podemos acusá-las de tudo e mais alguma coisa, tecer várias teorias da conspiração, acreditar que tudo estava finalmente a correr no melhor dos mundos para vencer a crise europeia e que elas vieram de novo estragar tudo, que isso de nada servirá. A descida generalizada dos ratings de vários países do euro decidida na sexta-feira pela Standard & Poor's terá consequências pesadas. Os investidores exigirão juros mais altos para emprestar dinheiro aos países que viram a sua nota degradada - da França a Portugal. O Fundo de Estabililização Financeira (FEEF) terá mais dificuldade em financiar-se nos mercados para financiar os países intervencionados ou a intervencionar. A França representava 20,4 por cento do fundo, que ficará agora sobretudo garantido pela Alemanha. Em Berlim vão voltar a fazer-se contas sobre a viabilidade do euro ou as suas vantagens. E , em Paris, as consequências políticas da perda do triplo A são absolutamente imprevisíveis. Nicolas Sarcozy está a 100 dias de eleições presidenciais. Em Outubro tinha dito aos seus colaboradores mais próximos que a perda do triplo A seria fatal para a sua reeleição.A sua estratégia eleitoral era provar que só ele conseguia que a França fosse igual à Alemanha, mesmo na gestão da economia. Era a melhor forma de vender a austeridade inevitável - o preço do orgulho nacional. O que fará agora ninguém sabe. A incerteza europeia aumentará nos próximos tempos e, de certeza, a gestão da crise da divída ficará refém das eleições francesas.

A questão é se a culpa é das agências de rating ou da infinita capacidade da Europa de provar a sua ineficácia e a sua capacidade de autodestruição.

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Teresa de Sousa

Jornal "Público", 15 Janeiro de 2012

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