- Não olhes assim para mim! Eu sei de onde te vêm essas ideias...
E como se gaguejasse, nervoso, como se desistisse a meio do que tinha para dizer, como se não desistisse logo a seguir, segurou-a pelo pulso, apertou-lhe o pulso e começou a falar, como se falasse para si próprio, em frases que interrompia e retomava e continuava e interrompia.
Puxou a Maria pelo. Pulso e levou-a pelo corredor e entraram no quarto onde dormiam todas. As noites e apontou. Para a estante cheia de romances. De amor que a Maria. Guardava desde menina. E que organizava por. Ordem alfabética. e todas as histórias. Que conhecia de cor e que seria capaz de contar. Com todos os pormenores e. Apontou para a estante cheia. E limpa e sem pó. E disse:
- A culpa. É deste lixo. A culpa. Toda a culpa. É deste lixo.
E nervoso. Engasgando-se nas. Palavras. E como se. Gaguejasse. Atirou um braço de encontro à estante e derrubou. Todos os romances de amor sobre. A colcha da cama e como. Se estivesse louco e como se estivesse. Louco. Começou a rasgá-los com. As duas mãos enquanto repetia:
- Lixo. A culpa é toda. Deste lixo.
Sobre a cama, um monte de páginas rasgadas e de capas rasgadas, títulos: sonhos de , paixão casamento na, primavera as chamas do coração mais, forte do que o preconceito vitória, do destino apaixonada pelo homem, certo rapariga e mulher amar pela primeira, vez o desconhe, cido irresistível flo, res demasia, do tarde pa, ra além do, desejo so, rriso c, rue, l am, a, nhec, er, de e, mo, ç, õe, s.
E o marido da Maria , por fim, parou os braços. A respiração rápida enchia-lhe e esvaziava-lhe o peito.
E, através das lágrimas que pendiam das pestanas da Maria, o monte de papéis rasgados sobre a cama: Sabrinas rasgadas, Biancas rasgadas, Júlias rasgadas: era um vulto informe e brilhante.
Cemitério de pianos
José Luis Peixoto
pág. 191
terça-feira, 12 de julho de 2011
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