terça-feira, 11 de maio de 2010

O universo tinha o epitáfio naquela equação


" A terceira gravação pedida foi a de um rangido, ou, mais exactamente, a da brusca inflexão (em Sol menor) da pena de aparo de aço de Rudolf Julius Emmanuel Clausius no instante em que essa pena escreveu o n na exponencial menos x à n-ésima potência na equação da entropia.
(...)
À n-ésima potência. A pena conservava-se suspensa por cima da folha de papel e, por um momento, a atenção de Clausius deambulou pelo labirinto heráldico da marca-de-água. A equação era válida. Contra toda a razão. Contra a poderosa respiração de vida. Num despreocupado desafio às formas verbais do futuro. Formalmente, a álgebra não era senão a demonstração, ao mesmo tempo abstrata e estatística, da irrecuperabilidade da energia calórica ao transformar-se em calor, do grau de perda registado em todo e qualquer processo térmico e termodinâmico. Seria assim que Clausius intitularia e descreveria o seu escrito ao enviá-lo para as acta da Academia de Ciências da Prússia (Secção IV: Ciência Aplicada). Mas o que ele fitava agora - e a sensação era bastante mais remota, mais indiferente do que a da sua padecente gengiva - era a determinação, irrefutável, da morte térmica do universo. A função n menos x não era reversível. A entropia implicava a conclusão e a transmutação da energia despendida numa estase fria. Um estado estático, um frio para além do que se podia conceber. Por comparação com o qual a nossa própria morte e a decomposição da nossa carne tépida mais não são do que um vulgar carnaval. O universo tinha o seu epitáfio naquela equação. No princípio fora o Verbo; no fim era a função algébrica. Uma pena de aparo de aço, comprada dentro de um estojo de cartão na Kreutzner, a papelaria universitária, escrecera finis sob a soma e a totalidade do ser. Ao traço descendente para a direita daquele n , seguia-se, não uma treva infinita, que ainda é, mas o nada, um zero insondável. Distraído, Clausius começou a fazer um traço por debaixo da equação. Mas o aparo tinha secado."

Desert Island Discs , "Provas e três Parábolas", George Steiner
Livro publicado pela Gradiva

LN

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