domingo, 12 de fevereiro de 2012

Sete lugares onde já encontrei Portugal 2

6. Coimbra

Eu tinha acabado de levantar-me de uma esplanada no Largo da Portagem, na Baixa, a metros do rio Mondego. Não me lembroque mês era, mas havia uma certa sensação de outubro, ou talvez fosse apenas eu. Havia alguma coisa que me empurrava os ombros em direcção ao chão. Sei exactamente o que era, mas prefiro não falar disso agora. Ainda não passou tempo suficiente. Havia alguma coisa que me vencia. As forças desapareciam-me dos braços e dissolviam-se no ar cinzento de Coimbra em outubro, ou talvez não fosse outubro, não interessa. Aqui, o que importa é que me tinha levantado de uma esplanada no Largo da Portagem. Sempre que caminho em Coimbra é como se avançasse por outro tempo, descubro pormenores da minha memória, do meu esquecimento. Aquilo que fui existe ainda em algum lugar. Estava assim, caminhava de mãos nos bolsos , quando percebi que, do lado do café Santa Cruz , chegava uma multidão de estudantes trajados. Enchiam a rua toda, eram milhares. O coro das suas vozes ficava preso entre as paredes. O espaço entre os andares mais altos de cada lado da rua era pequeno para libertar o clamor daquele monstro feito de muitas cabeças, muitas pernas, muitos olhos, muitas bocas cheias de dentes. Vinham na minha direção. Por instinto, encostei-me à parede. Eram como uma inundação que cobria tudo. Foi nesse momento , capas de estudantes a passarem por mim, colados a mim, a empurrarem-me às vezes, que vi Portugal no outro lado da rua. Tentava libertar-se dos estudantes, mas Portugal estava mesmo no meio da corrente. Eu conseguia perceber que as forças estavam a faltar-lhe. Já devia vir naquela luta desde longe. Gritei-lhe, acenei-lhe. As vozes dos estudantes não deixavam que ouvisse. Gritei-lhe mais, acenei-lhe com os dois braços. E Portugal ouviu-me. Olhou na minha direcção. Nesse instante, por se ter distraído, foi arrastado pelos estudantes ao longo de vários metros. Afastando-se, levado pela multidão, Portugal acenou-me também e, esticando o polegar e o mindinho, fez-me um gesto a pedir que lhe telefonásse.

José Luis Peixoto
Livro "Abraço"

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