quinta-feira, 9 de junho de 2011

Jorge Semprúm

Morreu o escritor e político espanhol Jorge Semprún

(aos 87 anos)

08.06.2011 - Por Nuno Ribeiro, em Madrid

O escritor e político espanhol Jorge Semprún morreu ontem à noite, às 23h30, em Paris, vítima de doença degenerativa. Semprún, de 87 anos, estava há meses hospitalizado no hospital parisiense Georges Pompidou. Jorge Semprún sofreu os dramas do século XX: a Guerra Civil Espanhola, a ocupação nazi da Europa, a prisão no campo de concentração de Buchenwald, a militância e dissidência comunista.

Jorge Semprún em Lisboa, em 2004 (Pedro Cunha)

“Creio que Jorge Semprún viveu não como testemunha mas como protagonista os grandes tumultos históricos do século XX, lutou contra o fascismo, foi militante da resistência e teve a experiência atroz dos campos de concentração, viveu a ilusão comunista e as grandes fracturas do comunismo quando se revelaram os campos de concentração, Gulag, participou na tentativa da experiência euro comunista e foi purgado pelo comunismo estalinista”. É assim que, na edição de hoje do diário “El País”, Mário Vargas Llosa sintetiza o percurso vital de Semprún. Experiências no limite da vida que estão na origem do que alguns críticos definem como “literatura de memória”. A sua escrita e os relatos de uma vida.

Nascido em Madrid, em 10 de Dezembro de 1923, Semprún era neto do político conservador António Maura, que foi presidente do Governo sob o reinado de Alfonso XIII. Quando eclodiu a Guerra Civil Espanhola, Jorge Semprún e os irmãos foram para Haia onde o seu pai era embaixador da República Espanhola junto dos Países Baixos. Tempos narrados em “Adeus, luz de verões”. Após a vitória de Francisco Franco, a família instala-se em Paris. Com a ocupação nazi da Europa, Semprún adere à resistência e, em 1942, integra o PCE. Pouco tempo depois, é preso e deportado para o campo de concentração de Buchenwald, onde permanece dois anos até ao fim da II Guerra Mundial.

“Desapareceram as testemunhas do extermínio, ainda há mais velhos que eu, mas não são escritores”, dizia, em 2000, numa entrevista ao “El País”. E recordava. O odor a carne queimada. “Esse cheiro vai-se comigo como se foi com os outros”, dizia. Tentou que assim não fosse. Escreveu. Entre outros, “Viverei com o seu nome”.
Em 11 de Abril do ano passado, no 65º aniversário da libertação do campo de Buchenwald, fez a última visita ao campo de onde saiu vivo por milagre. Ou astúcia. Em vez de declarar ser estudante, afirmou ser estucador.

Em 1953, acede ao comité central do PCE. É Federico Sanchez, o seu nome de código no partido. Vive temporadas na capital espanhola na dura clandestinidade. Onze anos depois, em 1964, juntamente com Fernando Claudin, é expulso por discrepância com a linha oficial do PCE de Dolores Ibárruri, “La Passionária”, e Santiago Carrillo. Mais tarde, a literatura alivia-lhe o desencanto, quando escreve “Autobiografia de Federico Sanchez”.

“A Espanha foi pouco generosa com Semprún”, admitia, ontem, César António Molina, antigo ministro da Cultura de Rodriguez Zapatero. E assim foi. A heterodoxia de Semprún, o seu cosmopolitismo, sempre suscitou reparos na esquerda espanhola. Como os seus êxitos. E o seu empenhamento. Foi guionista de Alain Resnais, escreveu o guião de “Z” para Costa Gravas, trabalhou com Joseph Losey.

Houve um período de “namoro” com a política espanhola e o seu país. Entre 1988 e 91, foi ministro da Cultura na segunda legislatura de Felipe González. Quem o convidou para o cargo foi Javier Solana, então ministro daquela pasta. Viveu de perto os primeiros problemas de convivência do “felipismo”. E, como sempre, escreveu. “Federico Sanchez despede-se”, é o relato desses anos.

Jornal "Público" (8 Junho 2011)

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