sábado, 25 de fevereiro de 2012
Adopção por casais homossexuais - Uma vergonha no Parlamento
Uma VERGONHA, na minha opinião para o País. Para além de ser justissima e sem nenhum problema de etica ou de moral, era talvez uma forma muito séria e eficáz de resolver o problema de tantas crianças que estão em instituições, sem que haja casais que se candidatem a adoptar.
Por Questões religiosas ou confessionais?, ou por puro preconceito para com este novos tipo de familias? , não sei,.. , não sei como é que se pode racionalmente negar esta possibilidade de ter mais pessoas que queiram ser pais e mães de crianças sem familia.
Acho que esta opção tomada na Assembleia da Republica é uma grande Hipocrisia e uma falta de respeito para com as pessoas que têm as suas opções sexuais alternativas e que são de tanto respeito como as nossas. Um enorme perconceito é o que isto demonstra.
Para mim isto que se passou ontem na assembleia é uma vergonha para Portugal.
Os Deputados que votaram contra esta Lei , e os seus dirigentes partidários , como o sr. Portas , e o sr. Passos Coelho, deveriam para serem coerentes irem já todos inscreverem-se para adoptar crianças.
Luis Neves
VIDEOS SIC - em "Maioria clara no PS a favor da adoção por casais homossexuais"
SIC: Maioria PS a favor da aoção por casais homossexuais
"Debate e votação na AR de projeto de Lei do BE e Verdes para legalização de adopção por casais do mesmo sexo"
SIC: Debate Votação na AR Projecto de Legalização de Adopção por Casais do mesmo sexo
Parlamento decide manter discriminação na adopção
Parlamento decide manter discriminação na adopção
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Desistir
UMA ÚNICA VIDA É POUCO. O rosto é demasiado rápido a mudar nas fotografias. As crianças imaginam tantas coisas acerca do mundo e, mais tarde, percebem que não conseguiram imaginar aquilo que era mais importante. Ainda crianças e já quase adultos, ainda levados por miragens e , no entanto, com a certeza absoluta de que não acreditam em nada, surpreendem-se com os braços que cresceram no espelho, com os truques que são capazes de fazer de olhos fechados, com os cigarros que começam a arder-lhes na ponta dos dedos e, arrogantes ingénuos, desejam que o tempo passe mais depressa, desejam que os anos passem mais depressa. Depois , a idade não conta. A idade não conta, mas um dia têm trinta anos, têm quarenta anos, um dia têm cinquenta anos. Os números deixam de ser números. Então, esqueceram tantas coisas e, no entanto, têm a certeza absoluta de que sabem tudo. Ridículos. Entretanto, apaixonaram-se e desapaixonaram-se; saltaram por cima de momentos que foram como abismos; existiu a casa; existiram todos os objectos da casa, divididos e arrumados em caixas de papelão; existiu a mágoa como se fosse o mundo inteiro, não era; existiram as pessoas que morreram mesmo ao lado, que pareciam eternas e que, devagar ou num instante, foram esquecidas; existiram as pessoas que estavam mesmo ao lado e que receberam telefonemas para comunicar-lhes que a mãe tinha morrido num hospital; e repetiram a vida continua, a vida continua; e o verão e o verão e o outono, a primavera, tão bom, e o verão, o outono, e o inverno. Um dia, acordam e o passado não é suficiente sequer para lhes encher a palma de uma mão.
E convencem-se de uma mentira diferente todas as manhãs para obrigarem o corpo a fazer cada movimento e, apesar disso, acreditam nessa mentira exactamente como se fosse verdade, excepto às vezes. E então cansados da mulher que, cansada, os olha ao serão e que , apesar disso, os enternece quando se debruça sobre o lavatório da casa de banho, com toalhas pelos ombros, para pintar o cabelo.
Pode então haver um momento em que o mundo pára. É nesse instante que se pode pensar: nunca quis ser aquilo em que me tornei, quis sempre não ser aquilo em que me tornei. Então, rodeados de fragmentos: uma existência inteira feita de vidro estilhaçado e espalhado no chão: o mais natural é baixarmo-nos e esticar as mãos para, com a ponta dos dedos , com cuidado, se começar a escolher cada fragmento e tentar perceber aquilo que se quer manter e aquilo de que se tem de desistir. Desistir, como morrer, não é sempre mau. Há vezes em que não se pode evitar. Todos nos dizem continua, continua, mas é o mundo que desiste, inteiro , à nossa volta.
Uma única vida é pouco. Para se fazer aquilo que se sabe, se pode, se quer e se deve fazer é preciso deixar muitas outras coisas para trás. Essa é a conclusão a que se chega logo no fim da adolescência. Quando os números deixam de ser números. Trinta, quarenta, cinquenta anos. As gerações sucedem-se Os degraus de uma escada rolante que desaparecem lá em cima enquanto subimos, subimos, olhamos para trás e ainda vemos o primeiro degrau, quase como quando tinhamos acabado de chegar e, no entanto, continuamos a subir e vemos já o fim. Os nossos avós mortos, os nossos pais mortos, nós, os nossos filhos, os nossos netos. E , se existir um horizonte, podemos olhá-lo e perceber finalmente que levamos o tempo dentro de nós.
Eu olho para esse horizonte, arrependo-me, não me arrependo e tento compreender ou lembrar-me daquilo que quero mesmo. Penso em tudo o que posso fazer para que aconteça: os gestos e as palavras. Então, hoje é um dia mais forte e, de repente, imenso.
Nesse instante dessa constatação , aceito tudo o que nunca fiz e que acredito que não terei vida suficiente para fazer. Num dia, avisado ou sem aviso, morrerei. Aceito essa certeza sem que ninguém me pergunte se estou disposto a aceitá-la. É então que me convenço finalmente de que nunca serei campeão de xadrez, nunca registarei uma patente, nunca conduzirei uma Harley-Davidson, nunca invadirei um pequeno país, nunca venderei relógios roubados aos transeuntes da Rua Augusta, nunca serei protagonista de um filme de Hollywood, nunca escalarei o monte Evareste, nunca farei uma colcha de renda, nunca apresentarei um concurso de televisão, nunca farei uma neurocirurgia, nunca ganharei a lotaria, nunca casarei com uma princesa, nunca ficarei viúvo de uma princesa, nunca me mudarei para Detroit, nunca farei voto de silêncio, nunca tocarei harpa, nunca serei o empregado do mês, nunca descobrirei a cura para o cancro, nunca beijarei os meus próprios lábios, nunca construirei uma catedral, nunca velejarei sozinho à volta do mundo, nunca decorarei uma enciclopédia, nunca despoletarei uma avalanche, nunca apresentarei cálculos que contradigam Einstein, nunca ganharei um Óscar, nunca atravessarei o canal da Mancha a nado, nunca parteciparei nos jogos olímpicos, nunca esfaquearei alguém, nunca irei à lua, nunca guardarei um rebanho de ovelhas nos Alpes, nunca conhecerei os meus tetranetos, nunca repararei a avaria de um avião, nunca trocarei de pele, nunca bombardearei uma cidade, nunca serei fluente em finlandês, nunca comporei uma sinfonia, nunca viverei numa ilha deserta, nunca compreenderei Hitler, nunca exibirei um quadro no Louvre, nunca assaltarei um banco, nunca darei um salto mortal no trapézio, nunca atravessarei a Europa de bicicleta, nunca lapidarei um diamante, nunca farei patinagem artística, nunca salvarei o mundo.
Ainda assim , além de tudo isto, há o universo inteiro.
José Luis Peixoto
Abraço
Zeca Afonso
Para se entender o poder que a música tem nas pessoas , foi talvez a única aula de Português que eu me lembro de ter no ciclo e secundário, de entre as centenas de horas que tivemos. E é uma recordação da juventude que não vou esquecer.
domingo, 19 de fevereiro de 2012
Sete Lugares onde já encontrei Portugal 4
Tinha acordado em Valpaços. O álcool é uma droga poderosa. Tinha o carro mal estacionado, outra vez. Comecei a conduzir para sul. Era quase uma da tarde e decidi juntar o pequeno-almoço ao almoço. Apetecia-me rojões. A localidade estava serena. Quando entrei na localidade, comecei a conduzir mais devagar. Apetecia-me um restaurante com balcão de zinco, televisão ligada no telejornal, pudim molotófe, molotov, molothoff mal escrito na ementa. Quando se fala de grandes invenções, poucas pessoas se lembram de nomear os óculos de sol. Estacionei próximo de um jardim com figuras geométricas de buxo e um lago vazio ao centro. Miúdos da escola passavam por mim. Eu olhava-os através do pára-brisas e imaginava as suas ilusões. Saí do carro. Os sons do mundo eram libertados num céu enorme. Às vezes, esqueçoo-me do céu. A passagem do tempo tem peso. Depois de um momento de nostalgia, escolhi a direcção que me pareceu mais movimentada e comecei , a pé, a procurar um restaurante. Então, comecei a cruzar-me com pessoas de pele gasta, vestidas com as suas melhores roupas, homens com calças de fazenda, mulheres de lenços novos na cabeça. Traziam caixas de sapatos e galinhas debaixo dos braços. Comecei a ouvir , ainda ao longe, as vozes de ciganos ao megafone. Crianças de mãos dadas com os pais, farturas. Dobrei a esquina e havia uma feira enorme, que era como um incêndio transparente. Ciganos de pé no centro de um monte de roupa, com os tornozelos submersos por camisolas de algodão, revolvidas por mulheres, rapazes a experimentarem sapatos com calçadeiras; homens a comprarem navalhas. Estava eu a assistir a isto quando ouvi o meu nome, Zé Luis. Virei-me por instinto, sem acreditar. Era Portugal. Tinha uma boina enfiada quase até ás sobrancelhas. Pousou os sacos de plástico e apertou-me a mão com as duas mãos. O que fazes aqui?, perguntou-me, mas não quis ouvir resposta, porque me puxou pelo braço e disse: vamos beber um copo para comemorar. Entrámos numa taberna que cheirava a vinho tinto. Portugal tratou o dono da taberna pelo nome. Obrigou-me a beber dois copos de vinho, que era a última coisa que me apetecia em jejum. No meio das frases dízia «aqui, em Carrazeda de Ansiães». Não entendi tudo, mas saí com a sensação de que era feliz. Quando consegui, fui-me embora. Por outras ruas, voltei para o carro e, a conduzir, passei por um restaurante que era exactamente o que procurava. Entrei. Sentei-me e almocei. Rojões. No final, a empregada brasileira ofereceu-me vinho do Porto, recusei. Na televisão, estava uma mulher a cantar fado, pedi se podia desligar. Quando a empregada brasileira carregou no botão, por acidente, derrubou o galo de Barcelos que estava em cima da televisão e se partiu em cacos coloridos espalhados por todo o chão de mosaicos.
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José Luis Peixoto
Livro "Abraço"
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Sete Lugares onde já encontrei Portugal 3.
Foi já há alguns anos. Havia ainda vários lugares onde se podia estacionar e onde, hoje, já nem vale a pena ir. A rua inclinada do elevador da Glória, quando parava de funcionar, era um deles. O meu carro era um Fiat Punto vermelho, saudades, e devia estar estacionado numa dessas ruas . Eu devia ter alguma coisa às voltas na cabeça, devia estar com pressa para ir ter com alguém que me esperava à porta de algum bar. Já não sei bem, já não me lembro. Aquilo que recordo foi que entrei pela rua do Gingão, já não havia Gingão, atravessei-a e, quando comecei a escolher um caminho entre os corpos que enchiam a esquina de gargalhadas, teorias e fumo, senti uma mão a puxar-me o braço. Virei-me. Era Portugal. Abriu-se-me um sorriso no rosto. Portugal sorria já. Abraçámo-nos ainda sem palavras. Foi mesmo um abraço. Depois, ficámos durante um instante a olhar um para o outro, ainda com esse sorriso e esse brilho de putos. Portugal disse-me: então pá? Não era para responder. Havia tanto tempo que não nos víamos. Naquela época, acreditávamos subliminarmente que nada iria desaparecer jamais. Aquele encontro por acaso contribuia para a suposta verdade dessa teoria. Portugal deu um passo para o lado e apresentou-me as duas raparigas italianas com quem estava. Francesca e Francesca. Eu fiquei a conversar com a Francesca morena e mais baixinha. Os seus lábios tinham um sabor suave a caramelo.
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2. Norte Shopping
Por mais que tente, nunca fui capaz de chegar desde o centro do Porto até ao Norte Shopping. Dezenas de pessoas já me tentaram explicar, já me fizeram desenhos em toalhas de papel rasgadas de mesas de restaurantes, ouço na memória a prenúncia de quando dizem «circunvalação». Se estiverem mais do que um , concordam todos entre si que é muito fácil, mas nunca ninguém me conseguiu explicar. A única vez em que com facilidade ao Norte Shopping foi quando a Catarina de Penafiel , com quem costumo falar do concerto de Carcass no Porto em 94, conduziu à minha frente e só tive de segui-la. Foi exactamente nesse dia , estava a escrever-lhe uma mensagem no telemóvel para agradecer essa extrema simpatia , eram talvez umas sete horas e era talvez novembro, como agora. Na rua, tinha chovido e havia a cor dos faróis dos carros refletida no alcatrão. No centro comercial, não chovia e as famílias estavam ainda em plena actividade. A luminosidade era constante, como a temperatura, por isso, quando vi Portugal ao longe a empurrar um carro de supermercado cheio, o reconhecimento foi imediato. Caminhei na sua direcção a chamá-lo. Distraído , Portugal continuava sem olhar para mim. Quando cheguei junto dele, cumprimentou-me com uma certa timidez , como se fosse um encontro inconveniente. O meu entusiasmo esmoreceu. Portugal tinha um pullover triste de lã cinzenta. Falou-me da mulher e das filhas sem que lhe tivesse perguntado nada sobre isso.
Dissemos: pois. Dissemos : enfim. Dissemos frases que não tinham significado e que foi como se não tivessem sido ditas. Houve um momento de silêncio e Portugal estendeu-me a mão. Gostei de te ver. Fiz aquilo que se esperava de mim. Apertei-lhe a mão. Também gostei de te ver. Quando Portugal começou a andar, caminhei na direcção oposta, mas, ao fim de alguns passos , parei-me e , em silêncio, fiquei a ver Portugal a afastar-se.
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José Luis Peixoto
Livro "Abraço"; Quetzal
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
domingo, 12 de fevereiro de 2012
Sete lugares onde já encontrei Portugal 2
Eu tinha acabado de levantar-me de uma esplanada no Largo da Portagem, na Baixa, a metros do rio Mondego. Não me lembroque mês era, mas havia uma certa sensação de outubro, ou talvez fosse apenas eu. Havia alguma coisa que me empurrava os ombros em direcção ao chão. Sei exactamente o que era, mas prefiro não falar disso agora. Ainda não passou tempo suficiente. Havia alguma coisa que me vencia. As forças desapareciam-me dos braços e dissolviam-se no ar cinzento de Coimbra em outubro, ou talvez não fosse outubro, não interessa. Aqui, o que importa é que me tinha levantado de uma esplanada no Largo da Portagem. Sempre que caminho em Coimbra é como se avançasse por outro tempo, descubro pormenores da minha memória, do meu esquecimento. Aquilo que fui existe ainda em algum lugar. Estava assim, caminhava de mãos nos bolsos , quando percebi que, do lado do café Santa Cruz , chegava uma multidão de estudantes trajados. Enchiam a rua toda, eram milhares. O coro das suas vozes ficava preso entre as paredes. O espaço entre os andares mais altos de cada lado da rua era pequeno para libertar o clamor daquele monstro feito de muitas cabeças, muitas pernas, muitos olhos, muitas bocas cheias de dentes. Vinham na minha direção. Por instinto, encostei-me à parede. Eram como uma inundação que cobria tudo. Foi nesse momento , capas de estudantes a passarem por mim, colados a mim, a empurrarem-me às vezes, que vi Portugal no outro lado da rua. Tentava libertar-se dos estudantes, mas Portugal estava mesmo no meio da corrente. Eu conseguia perceber que as forças estavam a faltar-lhe. Já devia vir naquela luta desde longe. Gritei-lhe, acenei-lhe. As vozes dos estudantes não deixavam que ouvisse. Gritei-lhe mais, acenei-lhe com os dois braços. E Portugal ouviu-me. Olhou na minha direcção. Nesse instante, por se ter distraído, foi arrastado pelos estudantes ao longo de vários metros. Afastando-se, levado pela multidão, Portugal acenou-me também e, esticando o polegar e o mindinho, fez-me um gesto a pedir que lhe telefonásse.
José Luis Peixoto
Livro "Abraço"
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Recordações de Familia 3
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
Sete lugares onde já encontrei Portugal
Tinha ido com a Elsa. Supostamente, íamos ficar juntos e partilhar a minha pequena tenda. Eu confiava no poder da intimidade e fiquei muito decepcionado quando, uma ou duas horas após chegarmos, a Elsa conheceu o baixista de uma banda do palco secundário e desapareceu. Vi-a afastar-se, pensei em gritar o nome dela, chamá-la, mas não o fiz. Elsa era crescida e responsável pelas suas escolhas. Nessa noite , encontrei e perdi-me de diversos amigos que fui encontrando por acaso. Não era muito tarde quando procurei o caminho até à tenda, mas estava cansado. Perdi-me várias vezes no pó e na noite. Tropecei num casal de namorados, sentei-me a conversar com uns desconhecidos que me chamaram para resolver uma disputa e, por fim, cheguei à tenda. Dormi sem sonhar. De manhã, o sol. Queria continuar a dormir , mas o sol. Estendido sobre o saco-cama , transpirava. Sentia-me uma espécie de réptil, boca aberta e seca. A realidade parecia um delírio luminoso e desagradável, quente, mas era a realidade, não era delírio. Saí da tenda, uma brisa na pele, alívio. Agarrei na toalha e fui procurar os chuveiros. Na fila, cercado de despenteados, fiquei adormecido, dormente. E comecei a reconhecê-lo pelo cheiro. Despertei os sentidos para comprovar. Na fila, à minha frente, estava Portugal. Quando lhe toquei no ombro e me viu, disse: eeeeeeee. E abraçámo-nos em tronco nu. Riscámos a pele um do outro com o pó que estava colado e endurecido pelo ar da manhã. Portugal disse: então, pá? Encolhi os ombros e sorri. Nos chuveiros, ficámos ao lado um do outro. Portugal pôs-me um bocado de pasta de dentes no dedo porque me tinha esquecido da escova. Lavadinhos, fomos à tenda de Portugal. Era garrida, vermelha e verde. Um amigo de Portugal tinha ido a Amesterdão e fomos fazer-lhe companhia. Rimo-nos durante toda a tarde com ele. À noite, também nos rimos. Vimos o dia nascer ao som de techno minimal. Sentiamos o ritmo no estômago. Com a voz arrastada e as pálpebras pesadas sobre os olhos, Portugal dizia-me que estava apaixonado por uma rapariga chamada Luísa, que pouco lhe ligava. Enquanto isso, eu olhava para longe e pensava em algodão-doce.
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5. Facebook
Eu tinha perfil no facebook há dois ou três meses. Tinha sido o Alvim a dizer-me que precisava de entrar para o facebook, que não podia passar mais um dia sem criar um perfil no facebook. Já se sabe que o Alvim exagera. Um fósforo é um incendio, um sopro é um ciclone. Mas, com a autoridade de x milhares de amigos, convenceu-me. Fui recebendo os pedidos de amizade com calma e curiosidade. Colegas da escola primária que agora tinham filhos, viviam nos arredores de Londres e me escreviam com erros ortográficos; alunas de escolas secundárias que me enviavam «lol», «bjs» e mensagens a dizer que o mundo ia acabar; mulheres, mulheres; personagens estranhas inventadas por rapazes de catorze ou quinze anos; homens que publicavam livros de poesia com títulos onde entravam as palavras «alma» ou «momentos», reticências.
Foi no meio desses pedidos de amizade que recebi um de Portugal. Não o reconheci logo. Tinha uma fotografia que apenas lhe mostrava o tronco: calças de ganga, a parte de cima das cuecas, a barriga e a mão de Portugal a segurar a t-shirt, a outra mão esticada a tirar a fotografia. Escolhendo de modo aleatório, os comentários eram do género: Tina - sexy!!!; Paty - uiui!!!; Bomba Algarve - adiciona-me no msn; Carminho - sem palavras :P ; etc. Álem disso, tinha fotos em que aparecia sentado numa mota, ou com um cachecol do Benfica, ou numa festa de aniversário num barracão, ou a saltar para dentro de uma piscina, ou a comer mexilhões. No perfil própriamente dito, Portugal tinha mentido na idade, mais jovem. No «relationship status», tinha selecionado a opção «tell you later». Nos filmes preferidos, só tinha escolhido filmes de terror. Nos amigos principais, só tinha raparigas em biquini. Nos comentários, havia uma sucessão de mulheres a desejarem-lhe votos de bom fim-de-semana. Aceitei o pedido de amizade de Portugal , claro. Até hoje, pelo facebook, não trocámos mais do que duas ou três mensagens inconsequentes.
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6. Coimbra
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7. minha cama
Aconteceu uma só vez. Decidimos nunca mais repetir porque, tanto eu como Portugal tememos que pudesse estragar a nossa amizade. No dia seguinte, quando Portugal se foi embora, troquei os lençois e esfreguei-me com toda a força no duche. Eu e Portugal não falamos sobre isso. Se, por acaso, acontece lembrar-me, sou atravessado por um arrepio.
José Luis Peixoto
"Abraço"
sábado, 4 de fevereiro de 2012
Recordações de familia 1
também vou colocar aqui umas fotos Antigas de Recordações de Familia
No casamento do Luís Simões - Ansião
do casório