"- Quanto a quem veio antes, foi o ovo que achou a galinha. A galinha não foi sequer chamada. A galinha é directamente uma escolhida. - A galinha vive como em sonho. Não tem senso da realidade. Todo o susto da galinha é porque estão sempre a interrompendo o seu devaneio. A galinha é um grande sono. - A galinha sofre de um mal desconhecido. O mal desconhecido da galinha é o ovo. - Ela não sabe se explicar: «sei que o erro está em mim mesma», ela chama de erro a sua vida, «não sei mais o que sinto» etc.
«Etc.,etc.,etc.» é o que cacareja o dia inteiro a galinha. A galinha tem muita vida interior. Para falar a verdade a galinha só tem mesmo é vida interior. A nossa visão de sua vida interior é o que nós chamamos de «galinha». A vida interior na galinha consiste em agir como se entendesse. Qualquer ameaça e ela grita em escândalo feito uma doida. Tudo isso para que o ovo não se quebre dentro dela. Ovo que se quebra dentro da galinha é como sangue.
A galinha olha o horizonte. Como se da linha do horizonte é que viesse vindo um ovo. Fora de ser um meio de transporte para o ovo, a galinha é tonta, desocupada e míope. Como poderia a galinha se entender se ela é a contradição de um ovo? O ovo ainda é o mesmo que se originou na Macedónia. A galinha é sempre a tragédia mais moderna. Está sempre inutilmente a par. E continua sendo redesenhada. Ainda não se achou forma mais adequada para uma galinha. Enquanto meu vizinho atende o telefone ele redesenha com lápis distraído a galinha. Mas para a galinha não há jeito: está na sua condição não servir a si própria. Sendo, porém, o seu destino mais importante que ela, e sendo o seu destino o ovo, a sua vida pessoal não nos interessa."
Clarice Lispector
Bom este conto, não é Asdrúbal ?
Amanhã ponho mais um pouco, que já sublinhei no livro,
LN
quarta-feira, 8 de julho de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário