quinta-feira, 19 de março de 2009

Pátria , Guerra Junqueiro

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e
sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de
vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a
energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as
moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem,
nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque
sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um
lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro
de lagoa morta. [.]

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não
descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter,
havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública
em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a
infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem
que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral,
escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro [.]

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado
de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela
abdicação unânime do País. [.]

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de
fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos [.] sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes,
[.] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos
nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades
do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão
que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma
sala de jantar."

Guerra Junqueiro, "Pátria", 1896

Retirei do Blog WEBClub da Wind e ...
LN

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