Este conto é estranho, é muito divertido, vou deixar aqui umas passagens, será de quem??? ....
Adivinhem lá:) :})
"Olho o ovo na cozinha com atenção superficial para não quebrá-lo. Tomo o maior cuidado de não entendê-lo. Sendo impossível entendê-lo, sei que se eu o entender é porque estou errando. Entender é a prova do erro. Entendê-lo não é o modo de vê-lo. - Jamais pensar no ovo é um modo de tê-lo visto. - Será que sei do ovo? É quase certo que sei. Assim: existo, logo sei. - O que eu não sei do ovo é o que realmente importa. O que eu não sei do ovo me dá o ovo propriamente dito. - A Lua é habitada por ovos.
O ovo é uma exteriorização. Ter uma casca é dar-se. - O ovo desnuda a cozinha. Faz da mesa um plano inclinado. O ovo expõe. - Quem se aprofunda num ovo, quem vê mais do que a superficie do ovo, está querendo outra coisa: está com fome.
Ovo é a alma da galinha. A galinha desajeitada. O ovo certo. A galinha assustada. O ovo certo. Como um projéctil parado. Pois ovo é ovo no espaço. Ovo sobre azul. - Eu te amo, ovo. Eu te amo como uma coisa nem sequer sabe que ama outra coisa."
"O ovo é invisível a olho nu. De ovo a ovo chega-se a Deus, que é invisível a olho nu. - O ovo terá sido talvez um triângulo que tanto rolou no espaço que foi se ovalando. - O ovo é básicamente um jarro? Terá sido o primeiro jarro moldado pelos etruscos? Não. O ovo é originário da Macedónia. Lá foi calculado, fruto da mais penosa espontaneidade. Nas areias da Macedónia um homem com uma vara na mão desenhou-o. E depois apagou-o com o pé nu.
Ovo é coisa que precisa tomar cuidado. Por isso a galinha é o disfarce do ovo. Para que o ovo atravesse os tempos a galinha existe. Mãe é para isso. - O ovo vive foragido por estar sempre adiantado demais para a sua época. - O ovo por enquanto será sempre revolucionário."
"Com o tempo, o ovo se tornou um ovo de galinha. Não o é. Mas, adoptado, usa-lhe o sobrenome. - Deve-se dizer «o ovo da galinha». Se se disser apenas «o ovo» , esgota-se o assunto, e o mundo fica nu. - Em relação ao ovo , o perigo é que se descubra o que se poderia chamar de beleza, isto é, sua veracidade. A veracidade do ovo não é verossímel. Se descobrirem, podem querer obrigá-lo a se tornar rectangular. O perigo não é para o ovo, ele não se tornaria rectangular. (Nossa garantia é que ele não pode: não pode é a grande força do ovo: sua grandiosidade vem da grandeza de não poder, que se irradia como um não querer) Mas quem lutasse por torná-lo rectangular estaria perdendo a própria vida. O ovo nos põe, portanto, em perigo. Nossa vantagem é que o ovo é invisível. E quanto aos iniciados, os iniciados disfarçam o ovo."
O ovo e a galinha, Clarice Lispector
Não , não é um conto do Asdrúbal , como parece à primeira vista.
LN
terça-feira, 7 de julho de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
o ovo frito de hoje anula o galeto de amanhã
Enviar um comentário