terça-feira, 24 de abril de 2012
quinta-feira, 12 de abril de 2012
quarta-feira, 11 de abril de 2012
é do CARALHO
Não deve haver na língua portuguesa uma palavra com um conceito tão abrangente como o caralho. É o termo de comparação mais lato que existe.
Uma coisa que alguém pode ser grande ou pequeno como o caralho, feio ou bonito, leve ou pesado, muito ou pouco, quente ou frio, perto ou longe... enfim, tudo é mensurável através do caralho. Para além das suas características físicas, o caralho também tem uma expressão metafísica: é o próprio inferno, lugar subterrâneo onde habitam as almas dos mortos.
Quando alguém menos vistoso morre , alguma coisa se destrói ou extravia, foi para o caralho; queremos mal a alguém, para onde o mandamos? O diabo, o próprio senhor dos infernos, pode ser o caralho. Não é por acaso que o diabo é tradicionalmente representado com um caralho pendurado e é conotado com a ira, o materialismo, a tentação e a paixão. Há, no entanto, uma variante mais leve, não implicando uma pena tão pesada, que é conhecida como o caraças. O caraças é o actual substituto do purgatório já caído em desuso até pela própria igreja. É um estado ou lugar em que as almas dos justos (e acrescento também todas as coisas vivas ou inanimadas) saídas deste mundo sem terem expiado completamente as suas faltas, acabam de expiá-las para serem admitidas na bem-aventurança (dicionário de Cândido Figueiredo pág 1139). Por exemplo , mandar alguém para o caraças implica que ele voltará mais puro depois de ter pago pelo seu erro. O caralho está omnipresente na nossa existência e, tal como o diabo, é o maior rival da autoridade divina. Há muitos anos na Rádio Renascença havia um jornalista que ia relatando um jogo de futebol extremamente emotivo, sem conseguir disfarçar a sua parcialidade em relação a uma das equipas. A dada altura, numa magistral manobra de ataque a bola é colocada nos pés do «seu» avançado que, depois de ter fintado o guarda-redes, fica somente com a baliza escancarada à sua frente. Tinha chegado o momento do auge e para isso bastava empurrar a bola para dentro da baliza. Completamente esbaforido com o calor da emoção , o relatador levantava-se num súbito impulso para gritar o que seria óbvio, quando inacreditavelmente o avançado atira a bola por cima da barra com um pontapé estúpido... O relatador, ainda incrédulo e completamente fora de si, pergunta para o ar, vezes sem conta, como é possível falhar aquele golo, até que conclui desanimado:
- É do caralho senhores ouvintes...
Claro que foi mandado embora no próprio dia. O que é que os senhores leitores pensam disto ... É, não é?
Livro Crónicas do futuro
João Melo
BLOG de continuação do Livro
http://joaomelo.blogspot.pt/
http://livrariautopia.blogspot.pt/2011/07/melo-joao-cronicas-do-futuro.html
Amanhã - Simone
A Cigana leu o meu Destino
E eu Sonhei .....
O que vai ser o amanhã
como vai ser o meu destino
Já desfolhei o Malmequer
Primeiro amor de um menino
E vai chegando o Amanhecer....
Como será amanhã
Responda quem poder
O que irá me acontecer
O meu destino
Será como Deus quiser
Como será?
Sempre Feliz
:) :) :)
terça-feira, 10 de abril de 2012
"Ain't good enough for you" - Boss
"Wrecking Ball"
Mas não a conhecia "Ain't good enough for you",
e é um video muito giro
grande festa com o Boss
"Um Mundo assente no cuidado" - Maria Lurdes Pintassilgo
Antologia de textos de Maria de Lurdes Pintassilgo
"Para um novo paradigma: um mundo assente no cuidado "
Ver texto de apresentação; No site SN Pastoral da Cultura
http://www.snpcultura.org/antologia_textos_maria_lourdes_pintasilgo.html
Fundação "Cuidar o Futuro" -
http://www.fcuidarofuturo.com/
segunda-feira, 9 de abril de 2012
We take care of our own - Boss
Para conhecer o novo albúm http://brucespringsteen.net/
domingo, 8 de abril de 2012
We Are Alive , Boss
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Recordações de Familia 6
terça-feira, 3 de abril de 2012
Manifestação de poetas gregos
Há dias havia neve ao longe, hoje é 21 de Março. As colinas de Atenas estão cheias de giestas e papoilas. Tinha-me esquecido disto, a Primavera.
Estamos numa das avenidas que vai dar à praça Syntagma, onde há 150 anos se concentram os protestos de Atenas.
Um dos primeiros cartazes da manhã diz:
"Escrevemos para existir"
Então foi para isso que vim a Atenas , ver como os poetas fazem a cidade, parando o trânsito diante da policia de choque, unida em forma de carapaça para bloquear o acesso ao parlamento.
"Deixei a minha vida como um deserto para que me possam ver de toda a parte"
"Estamos vivos, Resistimos"
"Quando já não tivermos sangue, então começará o poema"
"É o sonho que não me deixa dormir"
Os nossos slogans são versos e isso significa que defendemos a cultura como fundamental, que esta crise não é apenas económica, social e política, mas cultural, ética - diz o poeta Yiorgus Chouliaras, organizador. Temos de trazer para a frente as forças criativas. A Poesia é uma forma de fazer as coisas e sem a poesia não poderemos atravessar a crise, não saberemos quem somos. Este protesto também muda a forma como as pessoas vêem os gregos. Escrevemos os poemas individualmente, mas não podemos estar nas nossas torres de marfim, não podemos ser autistas, porque a linguagem é colectiva, pertence às pessoas. A poesia pode ser um antídoto para a crise.
A ideia veio quando estavam a discutir o que fazer no dia internacional da Poesia, 21 Março.
- Se não fizermos o nosso futuro, outros o farão por nós. Se não fizermos poesia, outros escreverão o nosso poema.
Alexandra Lucas Coelho
Público , 1 Abril 2012
segunda-feira, 2 de abril de 2012
António Zambujo - "Fui colher uma romã"
Fui colher uma romã
Muito boa , Já não ouvia isto há seculos.
António Zambujo - "Tenho o Alentejo na voz"
E fiquei fã, muito boa música
Oiçam o tema "Trago o Alentejo na voz"
Noticia que Envergonha o País
Restrições ao transporte de doentes dificultam acesso a tratamentos
Há doentes com cancro a deixar de se tratar por dificuldades económicas
O presidente do Colégio de Oncologia da Ordem dos Médicos, Jorge Espírito Santo, diz, em declarações ao PÚBLICO, que lhe têm chegado "informações, sem carácter oficial, de que há doentes com cancro a faltar a consultas e a tratamentos de rádio e de quimioterapia, devido a dificuldades económicas".
INACEITÁVEL - INADEMISSIVEL - MISERÀVEL
Paisinho da Treta , Abandonar as Pessoas que mais Precisam, Que estão em Situação tão frágil à Sua Sorte...
Se Isto é Assim, Então não à sr. Ministro da Saúde e Primeiro Ministro que não tenha VERGONHA NA Cara ???
quarta-feira, 28 de março de 2012
PRIMAVERA
GIFT
Sábado à noite não sou tão só
Somente só
A sós contigo assim
E sei dos teus erros
Os meus e os teus
Os teus e os meus amores que não conheci
Parasse a vida
Um passo atrás
Quis-me capaz
Dos erros renascer em ti
E se inventado, o teu sorriso for
Fui inventor
Criei o paraíso assim
Algo me diz que há mais amor aqui
Lá fora só menti
Eu já fui de cool por aí
Somente só, só minto só
Hei-de te amar, ou então hei-de chorar por ti
Mesmo assim, quero ver te sorrir...
E se perder vou tentar esquecer-me de vez, conto até três
Se quiser ser feliz...
Se há tulipas
No teu jardim
Serei o chão e a água que da chuva cai
Para te fazer crescer em flor, tão viva a cor
Meu amor eu sou tudo aqui...
Sábado à noite não sou tão só
Somente só
A sós contigo assim
Não sou tão só, somente só
domingo, 25 de março de 2012
Manifesto Branco (2)
(continuação)
Talvez te pareça que já não podes ver com pureza, talvez te pareça que perdeste essa capacidade entre as coisas reais, como quem perde uma chave na rua, como quem perde a carteira. A diferença entre um sentido e uma chave ou uma carteira, por exemplo, é que um sentido pode materializar-se na palma da mão , não é feito de ferro.
Se precisares de renascer, renasce. É permitido renascer. Na verdade , nada é proibido.
Nada é proibido.
Pureza, repito a palavra apenas pelo prazer de articulá-la. Experimenta. Se te sentires ridículo ao fazê-lo, sabe que essa é uma armadilha que deixaste que te colocassem. Ignora-a. Diz: Pu-re-za. Ao fazê-lo, é como se cantasses no duche ou no trânsito. Sorri.
O que é um deus? Por favor, não me faças perguntas dessas. Faz perguntas para dentro de ti. Só as tuas respostas são válidas. O sol ilumina tudo. Senta-te ao sol e sente-o. Assim, com aliterações e tudo o que mereces. Tu és tão natural como uma árvore. As preocupações que te dobram a pele do rosto e que te apoquentam os músculos das costas, os pesadelos com que acordas de manhã podem dissolver-se no lago imaginário que fores capaz de criar diante de ti. Repara, é sempre fim de tarde nesse lago, tem sempre paz e descanso. Está tudo feito. Lá longe, os filhos reencontram os pais e contam-lhes as histórias de mais um dia que terminou.
Tão bom. A claridade a passar-te entre os dedos como fios de areia. Bebe água nessa fonte, enche-te. É uma fonte infinita e tu tens a composição desse mesmo infinito. Podes beber infinitamente.
Pureza, repito agora para que se instale e se respire. Retira a maldade até das coisas más. Se te sentires ingénuo ao faze-lo, sabe que, uma vez mais, essa é uma armadilha que deixaste que te colocassem. Se não conseguires evitá-la, ignorá-la, aceita a ingenuidade. A ingenuidade faz o sangue circular com mais fluidez do que o cinismo. A ingenuidade desconhece o colesterol. O cinismo é hipertenso.
Se apreciaste as referências iniciais à poesia portuguesa, aceita que a felicidade da ceifeira de Pessoa não é uma contradição do pensamento. Essa felicidade chega depois dele porque o pensamento inteligente dirige-se à felicidade. É possivel que não sejamos um nome, nem um corpo, nem uma alma. Tudo é possível, nada é impossível. Não deixes que te armadilhem de cálculos e labirintos. São demasiado fáceis de construir. Quando mal entendidos, são máquinas de guerra. E, no entanto, não há palavras más. Perante a pureza, deus, só há palavras boas. Avança no incandescente , na música sem muros.
Não existe horizonte nessa paisagem. Pureza, repete.
Tu tens direito à felicidade.
AGORA , VAI. Tens a Vida à espera de abraçar-te.
José Luis Peixoto
"Abraço"
Manifesto Branco (1)
PUREZA, ESTA PALAVRA. Os poemas de Sophia, os poemas de Eugénio, os poemas de Fiama, as crianças. Endeusa esta palavra. Uma palavra pode ser um deus, como um rio pode ser um deus (Ganges). Uma palavra pode ser um deus, como o invisivel pode ser um deus. Um significado pode ser um deus. Sorri.
Se eu descrevesseagora a pureza iria construir uma ordem de palavras diferente da tua e diferente da minha amanhã, ontem. Esta é uma certeza evidente. É assim porque eu e tu somos diferentes, porque eu agora sou diferente de eu amanhã, eu ontem. Os filósofos tiraram essas conclusões antes da electricidade. Não há um grande mistério nessa ideia apesar de ser a tentação de um poço e, já sabes, os poços servem sobretudo para cair. Não deixes que esse pormenor te impeça de nada.
Pureza , aceita essa palavra nos teus gestos, em cada uma das tuas palavras e, aos poucos, chegará ou regressará aos teus pensamentos. Nuvens e sombras hão-de dizer-te que não é assim tão fácil, tentarão desencorajar-te com todos os tipos de veneno e dependerás apenas de ti. Haverá rostos a transfigurar-se, vozes a adensar-se de noite e de morte, pedidos irrazoáveis, e só poderás contar contigo, com o teu corpo necessariamente magro, com a tua força a parecer-te insuficiente. Não há limites para a forma daquilo que se pode atirar no teu caminho, uma árvore, uma bomba, a polícia, a tua própria mãe. Continuar a enumerar essas dificuldades seria ceder perante elas, dar-lhes tamanho. Deves ignorá-las. Se lhes deres força, terão força. Deves cobri-las de branco, responder-lhes com aquela palavra-deus.
Pureza.
Define essa palavra apenas dentro de ti. Utiliza apenas os teus materiais, as tuas próprias palavras. Demoraste tanto a aprendê-las, pensa nisso. Deste-te a tantos trabalhos e a tanta vida. Talvez tenhas tido filhos em nome de definições, talvez tenhas amado e perdido, talvez tenhas passado meses a procurar diariamente alguma coisa que te pareceu que não encontraste, mas acabaste por encontrar qualquer outra coisa que te moldou e que te fez chegar aqui, com estes significados unicamente teus. Recolhe tudo isso, considera tudo isso. É essa a tua bagagem, as tuas ferramentas, tu és isso.
(...continua)
José Luis Peixoto
"Abraço"
sábado, 25 de fevereiro de 2012
Adopção por casais homossexuais - Uma vergonha no Parlamento
Uma VERGONHA, na minha opinião para o País. Para além de ser justissima e sem nenhum problema de etica ou de moral, era talvez uma forma muito séria e eficáz de resolver o problema de tantas crianças que estão em instituições, sem que haja casais que se candidatem a adoptar.
Por Questões religiosas ou confessionais?, ou por puro preconceito para com este novos tipo de familias? , não sei,.. , não sei como é que se pode racionalmente negar esta possibilidade de ter mais pessoas que queiram ser pais e mães de crianças sem familia.
Acho que esta opção tomada na Assembleia da Republica é uma grande Hipocrisia e uma falta de respeito para com as pessoas que têm as suas opções sexuais alternativas e que são de tanto respeito como as nossas. Um enorme perconceito é o que isto demonstra.
Para mim isto que se passou ontem na assembleia é uma vergonha para Portugal.
Os Deputados que votaram contra esta Lei , e os seus dirigentes partidários , como o sr. Portas , e o sr. Passos Coelho, deveriam para serem coerentes irem já todos inscreverem-se para adoptar crianças.
Luis Neves
VIDEOS SIC - em "Maioria clara no PS a favor da adoção por casais homossexuais"
SIC: Maioria PS a favor da aoção por casais homossexuais
"Debate e votação na AR de projeto de Lei do BE e Verdes para legalização de adopção por casais do mesmo sexo"
SIC: Debate Votação na AR Projecto de Legalização de Adopção por Casais do mesmo sexo
Parlamento decide manter discriminação na adopção
Parlamento decide manter discriminação na adopção
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Desistir
UMA ÚNICA VIDA É POUCO. O rosto é demasiado rápido a mudar nas fotografias. As crianças imaginam tantas coisas acerca do mundo e, mais tarde, percebem que não conseguiram imaginar aquilo que era mais importante. Ainda crianças e já quase adultos, ainda levados por miragens e , no entanto, com a certeza absoluta de que não acreditam em nada, surpreendem-se com os braços que cresceram no espelho, com os truques que são capazes de fazer de olhos fechados, com os cigarros que começam a arder-lhes na ponta dos dedos e, arrogantes ingénuos, desejam que o tempo passe mais depressa, desejam que os anos passem mais depressa. Depois , a idade não conta. A idade não conta, mas um dia têm trinta anos, têm quarenta anos, um dia têm cinquenta anos. Os números deixam de ser números. Então, esqueceram tantas coisas e, no entanto, têm a certeza absoluta de que sabem tudo. Ridículos. Entretanto, apaixonaram-se e desapaixonaram-se; saltaram por cima de momentos que foram como abismos; existiu a casa; existiram todos os objectos da casa, divididos e arrumados em caixas de papelão; existiu a mágoa como se fosse o mundo inteiro, não era; existiram as pessoas que morreram mesmo ao lado, que pareciam eternas e que, devagar ou num instante, foram esquecidas; existiram as pessoas que estavam mesmo ao lado e que receberam telefonemas para comunicar-lhes que a mãe tinha morrido num hospital; e repetiram a vida continua, a vida continua; e o verão e o verão e o outono, a primavera, tão bom, e o verão, o outono, e o inverno. Um dia, acordam e o passado não é suficiente sequer para lhes encher a palma de uma mão.
E convencem-se de uma mentira diferente todas as manhãs para obrigarem o corpo a fazer cada movimento e, apesar disso, acreditam nessa mentira exactamente como se fosse verdade, excepto às vezes. E então cansados da mulher que, cansada, os olha ao serão e que , apesar disso, os enternece quando se debruça sobre o lavatório da casa de banho, com toalhas pelos ombros, para pintar o cabelo.
Pode então haver um momento em que o mundo pára. É nesse instante que se pode pensar: nunca quis ser aquilo em que me tornei, quis sempre não ser aquilo em que me tornei. Então, rodeados de fragmentos: uma existência inteira feita de vidro estilhaçado e espalhado no chão: o mais natural é baixarmo-nos e esticar as mãos para, com a ponta dos dedos , com cuidado, se começar a escolher cada fragmento e tentar perceber aquilo que se quer manter e aquilo de que se tem de desistir. Desistir, como morrer, não é sempre mau. Há vezes em que não se pode evitar. Todos nos dizem continua, continua, mas é o mundo que desiste, inteiro , à nossa volta.
Uma única vida é pouco. Para se fazer aquilo que se sabe, se pode, se quer e se deve fazer é preciso deixar muitas outras coisas para trás. Essa é a conclusão a que se chega logo no fim da adolescência. Quando os números deixam de ser números. Trinta, quarenta, cinquenta anos. As gerações sucedem-se Os degraus de uma escada rolante que desaparecem lá em cima enquanto subimos, subimos, olhamos para trás e ainda vemos o primeiro degrau, quase como quando tinhamos acabado de chegar e, no entanto, continuamos a subir e vemos já o fim. Os nossos avós mortos, os nossos pais mortos, nós, os nossos filhos, os nossos netos. E , se existir um horizonte, podemos olhá-lo e perceber finalmente que levamos o tempo dentro de nós.
Eu olho para esse horizonte, arrependo-me, não me arrependo e tento compreender ou lembrar-me daquilo que quero mesmo. Penso em tudo o que posso fazer para que aconteça: os gestos e as palavras. Então, hoje é um dia mais forte e, de repente, imenso.
Nesse instante dessa constatação , aceito tudo o que nunca fiz e que acredito que não terei vida suficiente para fazer. Num dia, avisado ou sem aviso, morrerei. Aceito essa certeza sem que ninguém me pergunte se estou disposto a aceitá-la. É então que me convenço finalmente de que nunca serei campeão de xadrez, nunca registarei uma patente, nunca conduzirei uma Harley-Davidson, nunca invadirei um pequeno país, nunca venderei relógios roubados aos transeuntes da Rua Augusta, nunca serei protagonista de um filme de Hollywood, nunca escalarei o monte Evareste, nunca farei uma colcha de renda, nunca apresentarei um concurso de televisão, nunca farei uma neurocirurgia, nunca ganharei a lotaria, nunca casarei com uma princesa, nunca ficarei viúvo de uma princesa, nunca me mudarei para Detroit, nunca farei voto de silêncio, nunca tocarei harpa, nunca serei o empregado do mês, nunca descobrirei a cura para o cancro, nunca beijarei os meus próprios lábios, nunca construirei uma catedral, nunca velejarei sozinho à volta do mundo, nunca decorarei uma enciclopédia, nunca despoletarei uma avalanche, nunca apresentarei cálculos que contradigam Einstein, nunca ganharei um Óscar, nunca atravessarei o canal da Mancha a nado, nunca parteciparei nos jogos olímpicos, nunca esfaquearei alguém, nunca irei à lua, nunca guardarei um rebanho de ovelhas nos Alpes, nunca conhecerei os meus tetranetos, nunca repararei a avaria de um avião, nunca trocarei de pele, nunca bombardearei uma cidade, nunca serei fluente em finlandês, nunca comporei uma sinfonia, nunca viverei numa ilha deserta, nunca compreenderei Hitler, nunca exibirei um quadro no Louvre, nunca assaltarei um banco, nunca darei um salto mortal no trapézio, nunca atravessarei a Europa de bicicleta, nunca lapidarei um diamante, nunca farei patinagem artística, nunca salvarei o mundo.
Ainda assim , além de tudo isto, há o universo inteiro.
José Luis Peixoto
Abraço
Zeca Afonso
Para se entender o poder que a música tem nas pessoas , foi talvez a única aula de Português que eu me lembro de ter no ciclo e secundário, de entre as centenas de horas que tivemos. E é uma recordação da juventude que não vou esquecer.
domingo, 19 de fevereiro de 2012
Sete Lugares onde já encontrei Portugal 4
Tinha acordado em Valpaços. O álcool é uma droga poderosa. Tinha o carro mal estacionado, outra vez. Comecei a conduzir para sul. Era quase uma da tarde e decidi juntar o pequeno-almoço ao almoço. Apetecia-me rojões. A localidade estava serena. Quando entrei na localidade, comecei a conduzir mais devagar. Apetecia-me um restaurante com balcão de zinco, televisão ligada no telejornal, pudim molotófe, molotov, molothoff mal escrito na ementa. Quando se fala de grandes invenções, poucas pessoas se lembram de nomear os óculos de sol. Estacionei próximo de um jardim com figuras geométricas de buxo e um lago vazio ao centro. Miúdos da escola passavam por mim. Eu olhava-os através do pára-brisas e imaginava as suas ilusões. Saí do carro. Os sons do mundo eram libertados num céu enorme. Às vezes, esqueçoo-me do céu. A passagem do tempo tem peso. Depois de um momento de nostalgia, escolhi a direcção que me pareceu mais movimentada e comecei , a pé, a procurar um restaurante. Então, comecei a cruzar-me com pessoas de pele gasta, vestidas com as suas melhores roupas, homens com calças de fazenda, mulheres de lenços novos na cabeça. Traziam caixas de sapatos e galinhas debaixo dos braços. Comecei a ouvir , ainda ao longe, as vozes de ciganos ao megafone. Crianças de mãos dadas com os pais, farturas. Dobrei a esquina e havia uma feira enorme, que era como um incêndio transparente. Ciganos de pé no centro de um monte de roupa, com os tornozelos submersos por camisolas de algodão, revolvidas por mulheres, rapazes a experimentarem sapatos com calçadeiras; homens a comprarem navalhas. Estava eu a assistir a isto quando ouvi o meu nome, Zé Luis. Virei-me por instinto, sem acreditar. Era Portugal. Tinha uma boina enfiada quase até ás sobrancelhas. Pousou os sacos de plástico e apertou-me a mão com as duas mãos. O que fazes aqui?, perguntou-me, mas não quis ouvir resposta, porque me puxou pelo braço e disse: vamos beber um copo para comemorar. Entrámos numa taberna que cheirava a vinho tinto. Portugal tratou o dono da taberna pelo nome. Obrigou-me a beber dois copos de vinho, que era a última coisa que me apetecia em jejum. No meio das frases dízia «aqui, em Carrazeda de Ansiães». Não entendi tudo, mas saí com a sensação de que era feliz. Quando consegui, fui-me embora. Por outras ruas, voltei para o carro e, a conduzir, passei por um restaurante que era exactamente o que procurava. Entrei. Sentei-me e almocei. Rojões. No final, a empregada brasileira ofereceu-me vinho do Porto, recusei. Na televisão, estava uma mulher a cantar fado, pedi se podia desligar. Quando a empregada brasileira carregou no botão, por acidente, derrubou o galo de Barcelos que estava em cima da televisão e se partiu em cacos coloridos espalhados por todo o chão de mosaicos.
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José Luis Peixoto
Livro "Abraço"
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Sete Lugares onde já encontrei Portugal 3.
Foi já há alguns anos. Havia ainda vários lugares onde se podia estacionar e onde, hoje, já nem vale a pena ir. A rua inclinada do elevador da Glória, quando parava de funcionar, era um deles. O meu carro era um Fiat Punto vermelho, saudades, e devia estar estacionado numa dessas ruas . Eu devia ter alguma coisa às voltas na cabeça, devia estar com pressa para ir ter com alguém que me esperava à porta de algum bar. Já não sei bem, já não me lembro. Aquilo que recordo foi que entrei pela rua do Gingão, já não havia Gingão, atravessei-a e, quando comecei a escolher um caminho entre os corpos que enchiam a esquina de gargalhadas, teorias e fumo, senti uma mão a puxar-me o braço. Virei-me. Era Portugal. Abriu-se-me um sorriso no rosto. Portugal sorria já. Abraçámo-nos ainda sem palavras. Foi mesmo um abraço. Depois, ficámos durante um instante a olhar um para o outro, ainda com esse sorriso e esse brilho de putos. Portugal disse-me: então pá? Não era para responder. Havia tanto tempo que não nos víamos. Naquela época, acreditávamos subliminarmente que nada iria desaparecer jamais. Aquele encontro por acaso contribuia para a suposta verdade dessa teoria. Portugal deu um passo para o lado e apresentou-me as duas raparigas italianas com quem estava. Francesca e Francesca. Eu fiquei a conversar com a Francesca morena e mais baixinha. Os seus lábios tinham um sabor suave a caramelo.
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2. Norte Shopping
Por mais que tente, nunca fui capaz de chegar desde o centro do Porto até ao Norte Shopping. Dezenas de pessoas já me tentaram explicar, já me fizeram desenhos em toalhas de papel rasgadas de mesas de restaurantes, ouço na memória a prenúncia de quando dizem «circunvalação». Se estiverem mais do que um , concordam todos entre si que é muito fácil, mas nunca ninguém me conseguiu explicar. A única vez em que com facilidade ao Norte Shopping foi quando a Catarina de Penafiel , com quem costumo falar do concerto de Carcass no Porto em 94, conduziu à minha frente e só tive de segui-la. Foi exactamente nesse dia , estava a escrever-lhe uma mensagem no telemóvel para agradecer essa extrema simpatia , eram talvez umas sete horas e era talvez novembro, como agora. Na rua, tinha chovido e havia a cor dos faróis dos carros refletida no alcatrão. No centro comercial, não chovia e as famílias estavam ainda em plena actividade. A luminosidade era constante, como a temperatura, por isso, quando vi Portugal ao longe a empurrar um carro de supermercado cheio, o reconhecimento foi imediato. Caminhei na sua direcção a chamá-lo. Distraído , Portugal continuava sem olhar para mim. Quando cheguei junto dele, cumprimentou-me com uma certa timidez , como se fosse um encontro inconveniente. O meu entusiasmo esmoreceu. Portugal tinha um pullover triste de lã cinzenta. Falou-me da mulher e das filhas sem que lhe tivesse perguntado nada sobre isso.
Dissemos: pois. Dissemos : enfim. Dissemos frases que não tinham significado e que foi como se não tivessem sido ditas. Houve um momento de silêncio e Portugal estendeu-me a mão. Gostei de te ver. Fiz aquilo que se esperava de mim. Apertei-lhe a mão. Também gostei de te ver. Quando Portugal começou a andar, caminhei na direcção oposta, mas, ao fim de alguns passos , parei-me e , em silêncio, fiquei a ver Portugal a afastar-se.
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José Luis Peixoto
Livro "Abraço"; Quetzal
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
domingo, 12 de fevereiro de 2012
Sete lugares onde já encontrei Portugal 2
Eu tinha acabado de levantar-me de uma esplanada no Largo da Portagem, na Baixa, a metros do rio Mondego. Não me lembroque mês era, mas havia uma certa sensação de outubro, ou talvez fosse apenas eu. Havia alguma coisa que me empurrava os ombros em direcção ao chão. Sei exactamente o que era, mas prefiro não falar disso agora. Ainda não passou tempo suficiente. Havia alguma coisa que me vencia. As forças desapareciam-me dos braços e dissolviam-se no ar cinzento de Coimbra em outubro, ou talvez não fosse outubro, não interessa. Aqui, o que importa é que me tinha levantado de uma esplanada no Largo da Portagem. Sempre que caminho em Coimbra é como se avançasse por outro tempo, descubro pormenores da minha memória, do meu esquecimento. Aquilo que fui existe ainda em algum lugar. Estava assim, caminhava de mãos nos bolsos , quando percebi que, do lado do café Santa Cruz , chegava uma multidão de estudantes trajados. Enchiam a rua toda, eram milhares. O coro das suas vozes ficava preso entre as paredes. O espaço entre os andares mais altos de cada lado da rua era pequeno para libertar o clamor daquele monstro feito de muitas cabeças, muitas pernas, muitos olhos, muitas bocas cheias de dentes. Vinham na minha direção. Por instinto, encostei-me à parede. Eram como uma inundação que cobria tudo. Foi nesse momento , capas de estudantes a passarem por mim, colados a mim, a empurrarem-me às vezes, que vi Portugal no outro lado da rua. Tentava libertar-se dos estudantes, mas Portugal estava mesmo no meio da corrente. Eu conseguia perceber que as forças estavam a faltar-lhe. Já devia vir naquela luta desde longe. Gritei-lhe, acenei-lhe. As vozes dos estudantes não deixavam que ouvisse. Gritei-lhe mais, acenei-lhe com os dois braços. E Portugal ouviu-me. Olhou na minha direcção. Nesse instante, por se ter distraído, foi arrastado pelos estudantes ao longo de vários metros. Afastando-se, levado pela multidão, Portugal acenou-me também e, esticando o polegar e o mindinho, fez-me um gesto a pedir que lhe telefonásse.
José Luis Peixoto
Livro "Abraço"
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Recordações de Familia 3
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
Sete lugares onde já encontrei Portugal
Tinha ido com a Elsa. Supostamente, íamos ficar juntos e partilhar a minha pequena tenda. Eu confiava no poder da intimidade e fiquei muito decepcionado quando, uma ou duas horas após chegarmos, a Elsa conheceu o baixista de uma banda do palco secundário e desapareceu. Vi-a afastar-se, pensei em gritar o nome dela, chamá-la, mas não o fiz. Elsa era crescida e responsável pelas suas escolhas. Nessa noite , encontrei e perdi-me de diversos amigos que fui encontrando por acaso. Não era muito tarde quando procurei o caminho até à tenda, mas estava cansado. Perdi-me várias vezes no pó e na noite. Tropecei num casal de namorados, sentei-me a conversar com uns desconhecidos que me chamaram para resolver uma disputa e, por fim, cheguei à tenda. Dormi sem sonhar. De manhã, o sol. Queria continuar a dormir , mas o sol. Estendido sobre o saco-cama , transpirava. Sentia-me uma espécie de réptil, boca aberta e seca. A realidade parecia um delírio luminoso e desagradável, quente, mas era a realidade, não era delírio. Saí da tenda, uma brisa na pele, alívio. Agarrei na toalha e fui procurar os chuveiros. Na fila, cercado de despenteados, fiquei adormecido, dormente. E comecei a reconhecê-lo pelo cheiro. Despertei os sentidos para comprovar. Na fila, à minha frente, estava Portugal. Quando lhe toquei no ombro e me viu, disse: eeeeeeee. E abraçámo-nos em tronco nu. Riscámos a pele um do outro com o pó que estava colado e endurecido pelo ar da manhã. Portugal disse: então, pá? Encolhi os ombros e sorri. Nos chuveiros, ficámos ao lado um do outro. Portugal pôs-me um bocado de pasta de dentes no dedo porque me tinha esquecido da escova. Lavadinhos, fomos à tenda de Portugal. Era garrida, vermelha e verde. Um amigo de Portugal tinha ido a Amesterdão e fomos fazer-lhe companhia. Rimo-nos durante toda a tarde com ele. À noite, também nos rimos. Vimos o dia nascer ao som de techno minimal. Sentiamos o ritmo no estômago. Com a voz arrastada e as pálpebras pesadas sobre os olhos, Portugal dizia-me que estava apaixonado por uma rapariga chamada Luísa, que pouco lhe ligava. Enquanto isso, eu olhava para longe e pensava em algodão-doce.
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5. Facebook
Eu tinha perfil no facebook há dois ou três meses. Tinha sido o Alvim a dizer-me que precisava de entrar para o facebook, que não podia passar mais um dia sem criar um perfil no facebook. Já se sabe que o Alvim exagera. Um fósforo é um incendio, um sopro é um ciclone. Mas, com a autoridade de x milhares de amigos, convenceu-me. Fui recebendo os pedidos de amizade com calma e curiosidade. Colegas da escola primária que agora tinham filhos, viviam nos arredores de Londres e me escreviam com erros ortográficos; alunas de escolas secundárias que me enviavam «lol», «bjs» e mensagens a dizer que o mundo ia acabar; mulheres, mulheres; personagens estranhas inventadas por rapazes de catorze ou quinze anos; homens que publicavam livros de poesia com títulos onde entravam as palavras «alma» ou «momentos», reticências.
Foi no meio desses pedidos de amizade que recebi um de Portugal. Não o reconheci logo. Tinha uma fotografia que apenas lhe mostrava o tronco: calças de ganga, a parte de cima das cuecas, a barriga e a mão de Portugal a segurar a t-shirt, a outra mão esticada a tirar a fotografia. Escolhendo de modo aleatório, os comentários eram do género: Tina - sexy!!!; Paty - uiui!!!; Bomba Algarve - adiciona-me no msn; Carminho - sem palavras :P ; etc. Álem disso, tinha fotos em que aparecia sentado numa mota, ou com um cachecol do Benfica, ou numa festa de aniversário num barracão, ou a saltar para dentro de uma piscina, ou a comer mexilhões. No perfil própriamente dito, Portugal tinha mentido na idade, mais jovem. No «relationship status», tinha selecionado a opção «tell you later». Nos filmes preferidos, só tinha escolhido filmes de terror. Nos amigos principais, só tinha raparigas em biquini. Nos comentários, havia uma sucessão de mulheres a desejarem-lhe votos de bom fim-de-semana. Aceitei o pedido de amizade de Portugal , claro. Até hoje, pelo facebook, não trocámos mais do que duas ou três mensagens inconsequentes.
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6. Coimbra
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7. minha cama
Aconteceu uma só vez. Decidimos nunca mais repetir porque, tanto eu como Portugal tememos que pudesse estragar a nossa amizade. No dia seguinte, quando Portugal se foi embora, troquei os lençois e esfreguei-me com toda a força no duche. Eu e Portugal não falamos sobre isso. Se, por acaso, acontece lembrar-me, sou atravessado por um arrepio.
José Luis Peixoto
"Abraço"
sábado, 4 de fevereiro de 2012
Recordações de familia 1
também vou colocar aqui umas fotos Antigas de Recordações de Familia
No casamento do Luís Simões - Ansião
do casório
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Havemos de engordar juntos.
As canções e os poemas ignoram isto. Repetem campos, montanhas, praias, falésias, jardins, love, love, love, mas esse momento específico, na caixa do supermercado, tão justo e tão certo, é ignorado ostensivamente por todos os cantores e poetas românticos do mundo. Bem sei que há a crueza das lâmpadas fluorescentes, há o barulho das caixas registadoras, pim-pim-pim, há o barulho das moedas a caírem nas gavetas de plástico, há a musiquinha e os altifalantes: responsável da secção de produtos sazonais à caixa 12, responsável da secção de produtos sazonais à caixa 12; mas tudo isso, à volta, num plano secundário, só deveria servir para elevar mais ainda a grandeza nuclear desse momento.É muito fácil confundir o banal com o precioso quando surgem simultâneos e quase sobrepostos. Essa é uma das mil razões que confirma a necessidade da experiência.
Viver é muito diferente de ver viver. Ou seja, quando se está ao longe e se vê um casal na caixa do supermercado a dividir tarefas, há a possibilidade de se ser snob, crítico literário; quando se é parte desse casal, essa possibilidade não existe. Pelas mãos passam-nos as compras que escolhemos uma a uma e os instantes futuros que imaginámos durante essa escolha: quando estivermos a jantar, a tomar o pequeno-almoço, quando estivermos a pôr roupa suja na máquina, quando a outra pessoa estiver a lavar os dentes ou quando estivermos a lavar os dentes juntos, reflectidos pelo mesmo espelho, com a boca cheia de pasta de dentes, a comunicar por palavras de sílabas imperfeitas, como se tivéssemos uma deficiência na fala.Ter alguém que saiba o pin do nosso cartão multibanco é um descanso na alma. Essa tranquilidade faz falta, abranda a velocidade do tempo para o nosso ritmo pessoal. É incompreensível que ninguém a cante.As canções e os poemas ignoram tanto acerca do amor. Como se explica, por exemplo, que não falem dos serões a ver televisão no sofá? Não há explicação. O amor também é estar no sofá, tapados pela mesma manta, a ver séries más ou filmes maus. Talvez chova lá fora, talvez faça frio, não importa. O sofá é quentinho e fica mesmo à frente de um aparelho onde passam as séries e os filmes mais parvos que já se fizeram. Daqui a pouco começam as televendas, também servem.
Havemos de engordar juntos.
Estas situações de amor tornam-se claras, quase evidentes, depois de serem perdidas. Quando se teve e se perdeu, a falta de amor é atravessar sozinho os corredores do supermercado: um pão, um pacote de leite, uma embalagem de comida para aquecer no micro-ondas. Não é preciso carro ou cesto, não se justifica, carregam-se as compras nos braços. Depois, como não há vontade de voltar para a casa onde ninguém espera, procura-se durante muito tempo qualquer coisa que não se sabe o que é. Pelo caminho, vai-se comprando e chega-se à fila da caixa a equilibrar uma torre de formas aleatórias.
Quando se teve e se perdeu, a falta de amor é estar sozinho no sofá a mudar constantemente de canal, a ver cenas soltas de séries e filmes e, logo a seguir, a mudar de canal por não ter com quem comentá-las. Ou, pior ainda, é andar ao frio, atravessar a chuva, apenas porque se quer fugir daquele sofá.E os amigos, quando sabem, não se surpreendem. Reagem como se soubessem desde sempre que tudo ia acabar assim. Ofendem a nossa memória.Nós acreditávamos.Havemos de engordar juntos, esse era o nosso sonho. Há alguns anos, depois de perder um sonho assim, pensaria que me restava continuar magro. Agora, neste tempo, acredito que me resta engordar sozinho.
José Luís Peixoto , in revista Visão (Janeiro, 2012)
Retirado do site de José Luís Peixoto
No blog WebClub
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
DEUS anda cá , texto de José Luis Peixoto
Eles dizem que Deus vê tudo o que fazemos. Vê o obsceno, vê o repugnante, vê o miserável. Deus vê o invisivel. Se existir céu e inferno, fico contente por ti , mas, por mim, sinto um certo receio. Repara , eles não dizem que Deus vê algumas das coisas que fazemos, não dizem que Deus vê apenas aquilo que é mais interessante ou susceptivel de ser considerado na equação céu/inferno. Não, eles dizem que Deus vê tudo o que fazemos: tudo. Quando dormimos , Deus olha pacientemente para nós. Já olhei para ti enquanto dormias. Compreendo que Deus não se canse de fazê-lo. Também quando esperamos , Deus assiste à nossa espera. Também quando lavamos o carro numa estação de serviço.
Também quando passeamos no jardim ao domingo.
Ainda assim , quero pedir-te que não imagines Deus como um velho reformado, sem vida própria , submerso em memórias, sósinho, sentado num cadeirão gasto, a ver televisão numa sala com os estores corridos. Nada é assiim tão simples. Nem mesmo esse velho reformado é assim tão simples. Deus não vê apenas, Deus sabe. Ao contrário de mim, Deus não se detém perante o teu rosto, tentando perceber se queres ou não queres, se gostaste ou não gostaste, tentando perceber o que significa aquilo que dizes e aquilo que insistes em calar. Deus sabe a distância precisa entre a ponta do teu nariz e o z desta palavra: nariz. Sabendo tudo , Deus sabe muita informação desnecessária. Sabe tudo o que sabemos e tudo o que não sabemos. Quando estamos errados, Deus sabe detectar o erro, sabe corrigi-lo e sabe todas as possibilidades de resolução do problema, sem erro, com erro e com todos os erros possíveis.
Deus é muito mais exacto do que a matemática.
Melhor do que nós, Deus consegue entender a razão de cada gesto porque conhece todos os pormenores da sua história e relaciona-os através da verdade. Deus consegue ver o passado com a mesma nitidez absoluta com que olha o presente. Nas grandes multidões, nos apertos antes da entrada nos estádios, nos concertos, eles dizem que Deus está lá a seguir cada pessoa e, para a atenção de Deus, cada um desses indivíduos é um mundo inteiro e completo. Eles dizem que Deus só pensa em nós. Passa todo o tempo a ver-nos ppor dentro e por fora. Testemunha cada episódio da luta que travamos com os nossos instintos, com os nossos impulsos e com os impulsos que surgem no nosso caminho. O nosso caminho não é uma estrada. Não sabemos o que é. Às vezes , parece que Deus nos colocou aqui como ratinhos num labirinto e, enquanto tira notas, espera que encontremos a saída. Nascemos um dia.
Chegámos de onde não sabíamos nada.
E, consuante o que encontrámos, fomos aprendendo. Eles dizem que Deus assistiu a todos esses momentos. A sua mente não divagou, não se desinteressou. Eles dizem que Deus nos vê desde o início, desde quando não sabiamos nenhuma palavra. Eles dizem que Deus nos viu nascer. Eu também te vi nascer. Essa é uma das experiências que partilhei com Deus. Sabes, apesar de estarem quase a passar doze anos sobre esse momento, também eu o consigo ver ainda com nitidez absoluta. Acredito que nunca se apagará de mim. Ao contrário de Deus, eu sempre andei longe, o meu olhar foi espaçado, mas acredita, filho, nunca te esqueci, nunca deixaste de ser parte de mim. Não foi por querer que não pousei o cobertor sobre o teu peito antes de dormires, não foi por querer que nã brinquei contigo assim que acordaste. Demorará até que entendas, mas esperarei o tempo que for necessário.
Se Deus é pai como eles dizem, então deixa-me contar-te um pouco do amor que Deus tem por ti:
Deus acredita que o amor que sente por ti é maior do que ele próprio, Deus acredita que os lugares onde está não são todos porque tem a certeza de que o amor que sente por ti é maior do que todos esses lugares, Deus acredita que não sabe tudo porque o amor que sente por ti é maior que tudo.
Sendo teu pai, Deus também é teu filho, filho.
José Luis Peixoto
do livro "Abraço"
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
A semana em que o país se viu ao espelho e não gostou (2)
2.
Enquanto os casos EDP e Águas de Portugal aconteciam, o secretário de Estado da Segurança Social , Marco António Costa, prometia mão pesada sobre todos os que haviam recebido subsídios indevidos do Estado , obrigando-os a repô-los imediatamente. É óbvio - e já foi feito por anteriores governos até com bastante sucesso - que é preciso combater todos os abusos. Mas basta reunir meia dúzia de pequenas histórias publicados pelos jornais sobre os "abusadores" para verificar aquilo que já se suspeitava: primeiro que, na sua maioria, os subsídios indevidamente recebidos são de tão pequena monta que só fazem mesmo diferença para gente que vive grandes dificuldades; segundo, que muitas vezes se deveram mais à crónica ineficiência dos serviços públicos do que a uma deliberada vontade de enganar. A devolução atingirá os mais fracos - independentemente das razões para os abusos. Entre o salário milionário de Eduardo Catroga ou de Celeste Cardona e os 97 euros recebidos indevidamente por uma família com rendimentos de 1000 euros, há algo de verdadeiramente chocante. Marco António pode até ter a melhor das intenções. Escolheu o pior momento possível.
Somos o país mais desigual da União Europeia (por razões que se prendem também com a herança do regime anterior). Somos aquele em que , seguindo um estudo da Comissão , os sacrificios impostos pela austeridade atingem mais os mais pobres e menos os mais ricos. Vemos o desemprego a subir e tememos pelo nosso posto de trabalho - sejamos ou não competentes naquilo que fazemos. A competitividade da economia está a ser ganha à custa das transferências de rendimentos das pessoas para as empresas. O mínimo que se exigia era alguma decência e, sobretudo, alguma coerência de quem nos governa.
Mas infelizmente o triste retrato do país a que tivemos direito nestes últimos dias ainda não acab aqui. O caso da Loja Mozart foi uma espécie de pequena história exemplar sobre como se tecem redes de influência para garantir carreiras seguras. As regalias dos funcionários do Banco de Portugal contam-nos outra história, com a qual já estamos todos mais ou menos famialiarizados, segundo a qual há imensa gente excepcional e insubstituivel para o bom andamento da nação que, obviamente, terá de ficar de fora dos sacrifícios exigidos aos pobres e vulgares mortais. Não sei quantos funcionários tem o banco. Mas tenho a certeza de que não são todos alvo de cobiça de instituições privadas, à espreita de uma oportunidade para lá ir buscá-los com salários muito mais gordos. Nem ninguém pode acreditar que o banco central apenas tem condições para exercer as suas funções com a devida independência, se os seus funcionários ficarem imunes aos cortes aplicados aos outros.
O Problema é que se desenvolveu em Portugal uma ideia absolutamente degradada do que é servir o país. Servir o país passou a só fazer sentido, se isso equivaler a uma compensação - um cargo, uma posição, um salário , uma pequena, média ou grande vantagem. Ora, a ideia de serviço público, seja ela no Parlamento, nos partidos, no Banco de Portugal ou na mais modesta das comunidades, implica precisamente o contrário: prestar um serviço à comunidade sem qualquer compensação ou com sacrifício de uma situação pessoal mais confortável.
É esta ideia que é preciso regenerar.
Nenhum país atravessa uma situação como aquela que estamos a viver sem o mínimo de equidade e sem um mínimo de sentimento de pertença. Perceber os partidos como agentes de distribuição de vantagens pelas clientelas, as maçonarias como redes de influência, os que estão melhor (por mérito próprio ou alheio) apenas interessados em preservar as suas vantagens é meio caminho andado para o desastre.
O outro meio é a Europa. E sobre ela as notícias também não são animadoras.
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Lá vamos nós outra vez
Podemos acusá-las de tudo e mais alguma coisa, tecer várias teorias da conspiração, acreditar que tudo estava finalmente a correr no melhor dos mundos para vencer a crise europeia e que elas vieram de novo estragar tudo, que isso de nada servirá. A descida generalizada dos ratings de vários países do euro decidida na sexta-feira pela Standard & Poor's terá consequências pesadas. Os investidores exigirão juros mais altos para emprestar dinheiro aos países que viram a sua nota degradada - da França a Portugal. O Fundo de Estabililização Financeira (FEEF) terá mais dificuldade em financiar-se nos mercados para financiar os países intervencionados ou a intervencionar. A França representava 20,4 por cento do fundo, que ficará agora sobretudo garantido pela Alemanha. Em Berlim vão voltar a fazer-se contas sobre a viabilidade do euro ou as suas vantagens. E , em Paris, as consequências políticas da perda do triplo A são absolutamente imprevisíveis. Nicolas Sarcozy está a 100 dias de eleições presidenciais. Em Outubro tinha dito aos seus colaboradores mais próximos que a perda do triplo A seria fatal para a sua reeleição.A sua estratégia eleitoral era provar que só ele conseguia que a França fosse igual à Alemanha, mesmo na gestão da economia. Era a melhor forma de vender a austeridade inevitável - o preço do orgulho nacional. O que fará agora ninguém sabe. A incerteza europeia aumentará nos próximos tempos e, de certeza, a gestão da crise da divída ficará refém das eleições francesas.
A questão é se a culpa é das agências de rating ou da infinita capacidade da Europa de provar a sua ineficácia e a sua capacidade de autodestruição.
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Teresa de Sousa
Jornal "Público", 15 Janeiro de 2012
Vitalina Almeida , estudante :)
Exemplos de Vida
Vitalina de Almeida vive em Grândola, faz a lida da casa e ainda costura. Apesar da idade, quer concluir o 6º ano de escolaridade. Colegas e formadores dizem que o exemplo de Vitalina é um estímulo para todos. A idosa diz que os segredos são manter-se ocupada e gostar de viver.
A semana em que o país se viu ao espelho e não gostou
1.
O Problema não é tanto o primeiro-ministro querer fazer de nós tolos, quando afiança que o seu Governo e os partidos que o sustentam não tiveram absolutamente nada a ver com as nomeações para o conselho de supervisão da EDP. Ou quando resolve enveredar por longas explicações sobre a necessidade de envolver as autarquias na gestão das Águas de Portugal, para justificar mais duas nomeações lamentáveis a olho nu. Sobre isso não há nada a dizer a não ser . talvez . lembrar ao primeiro-ministro que a maioria das pessoas não é tola e que muito pouca gente acreditará na estranha coincidência de os accionistas privados da EDP terem descoberto em simultâneo a excelência dos amigos políticos dos partidos do Governo. É triste, quase patético, ver Eduardo Catroga , certamente uma pessoa competente e com uma carreira nos negócios, zurzir furiosamente no engenheiro Sócrates para chegar à clarividência da sua escolha para presidir ao dito conselho ou sentir a necessidade de dizer que nem sequer é do PSD. Pior , mesmo, só o minstro de Estado Paulo Portas admitir uma atitude "xenófoba" de Lisboa contra as boas gentes do Norte para justificar as críticas à escolha de um filiado do seu partido , Álvaro Castelo-Branco, para a dita empresa pública. Não lhe terá ocorrido uma palavra mais adequada? Preconceito, por exemplo? A sua falta de argumentos ficaria menos evidente.
O Problema - o primeiro - é que estas nomeações são uma enorme machadada na estratégia política que o Governo e o primeiro-ministro nos apresentaram para sairmos da tremenda crise que nos encontramos. Essa estratégia partia da ideia de aproveitar a crise para libertar o Estado da sua dupla função de "controleiro" da economia e de distribuidor de benesses. Por via das privatizações, por via da maior concorrência nos mercados de produtos e serviços, por via da maior flexibilidade dos factores de produção. A isto o primeiro-ministro chamou, ainda há poucos dias, a "democratização" da economia e foi louvado por muita gente. O seu liberalismo económico não resistiu muito tempo. O Estado intervém - na melhor das hipóteses para controlar uma empresa privada; na pior para compensar os amigos e os fiéis dos partidos eleitos para governar o país. Bastaram seis meses para matar as ilusões. No fundo, o que todos nós aperendemos na semana passada foi o seguinte: que o Estado continua a dominar a economia por via das decisões que toma ou não toma, das "facilidades" que cria ou não cria, dos sectores que protege ou não protege, e que qualquer grande empresa (ainda por cima estatal e chinesa) percebe imediatamente que convém agradar ao Estado para obter facilidades nos negócios, nomeando os seus rapazes.
O Problema - o segundo - é o momento em que Passos Coelho resolveu matar as ilusões. Justamente aquele em que lhe era proibido fazê-lo. Se já havia um largo e provavelmente inevitável sentimento de injustiça quanto à distribuição dos sacrifícios e uma fraca crença numa saída para a dose brutal de austeridade que não seja "a grega" , agora haverá muito mais. Ora , a mistura de descrença e sentimento de injustiça pode vir a revelar-se fatal no médio prazo. Nenhum país passa por aquilo que estamos a passar sem um forte sentimento de coesão social. Passos Coelho e o seu Governo desferiram-lhe um golpe severo. Numa semana que foi trágica no que respeita à percepção de como as coisas se fazem em Portugal, de quem está sempre a salvo das crises ou de quem acaba sempre por pagar o grosso da factura.
Teresa de Sousa
Público , 15 Janeiro 2012
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Espécie de luz - Poema
Espécie de luz...
É assim
espécie de luz
na ponta do nariz
a precisa pessoa
que nos arrebata
nos faz crescer
nos faz sonhar
nos faz feliz.
Teresa Martinho Marques
no Blog Sabor de Palavra
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
É Preciso Avisar toda a Gente!
É preciso avisar toda a gente,
dar notícia informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir.
É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha.
É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta.
É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores.
É preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores.
João Apolinário
no Blog Cravo de Abril - http://cravodeabril.blogspot.com/2012/01/poema_09.html